Também, João Ubaldo, com uns amigos desses… nem Itaparica aguenta! Bate-papo com amigos do escritor – Final

Na qualidade de frequentador, de uns anos para cá, do Boulevard na ilha de Itaparica – bem como assíduo penetra das festas de aniversário do saudoso João Ubaldo Ribeiro – decidi me aventurar a garimpar a falta que ele faz aos seus amigos que sempre estão pela ilha, e olhem só a última parte do que registrei: entrevista com um de seus personagens mais famosos: Zeca Harfursh vulgo Zecamunista.

Devo dizer que fiquei impressionado de início, e depois profundamente tocado com o carinho, a admiração e a amizade que os entrevistados devotam a João Ubaldo. Não me surpreendeu entretanto, pois tratam-se de relações construídas há muitas décadas, que foram nutridas com os encontros de sempre que eles souberam cultivar, demonstrando que nem a distância nem o tempo são capazes de apagar – sequer diminuir – amizades verdadeiras e desinteressadas como essas.
A todos eles e ao nosso João Ubaldo  Ribeiro – que anteontem completou um ano de morto – meu respeito, admiração e reverência.

Beto Benjamin

                                                  Parte da extensa obra do autor

B.B. (Beto Benjamin): Zeca, você é o último dos amigos de João que entrevistei. O que você tem a contar da sua amizade com João Ubaldo e como surgiu o famoso personagem Zecamunista?

Zeca e João fazendo um trato

Zeca e João fazendo um trato

Zecamunista: João Ubaldo e eu nos conhecemos em 1958. Comecei a namorar em 62/63 com uma amiga de Bilõ que era namorada dele. Saíamos muito juntos para “matinées” entre outras coisas. Eu tinha 22/23 anos. Era outra Bahia bem diferente dessa de hoje. Qualquer um podia andar sem medo de dia ou de noite. Podia ir a todo canto sem ser incomodado por ninguém. Hoje não dá né?

Depois de deixar as namoradas em casa – porque tinha aquele horário 22 horas, “menina de família” e principalmente a minha cujo pai tinha sido Secretário de Estado da Segurança – partíamos para a “gandaia”.

Íamos para aqueles inferninhos tipo XK Bar ali na Vitória. Tomávamos Cuba Libre, a bebida que nosso bolso alcançava naquela época. Já viu: estudante, grana curta, pegávamos as “garotas” para dançar… Todo estudante era metido a esquerdista, era uma obrigação naquele tempo. Tinha que ser! João sempre foi direitista, um “conservadorzinho” enrustido. Cada um de nós sabia exatamente em que lado estava o outro. Nos respeitávamos mutuamente e ele sabia que eu era atuante mesmo. Me candidatei à presidente do Diretório Acadêmico de Arquitetura e perdi. Foi exatamente em 1963, um ano antes da famigerada “Revolução Redentora de 1964”.

João e eu saíamos muito juntos enquanto solteiros. Posteriormente ele se casou com a primeira mulher – Bilô – que era nossa amiga. Eu e minha namorada Valdete íamos muito ao apartamento deles na Rua Oito de Dezembro na Graça. Batíamos papo, bebíamos cerveja, whisky nacional, ouvíamos música noite adentro. Ele tinha o mesmo sorriso dos últimos tempos. Sempre sorrindo. Raríssimas vezes vi João Ubaldo fechar a cara. Só duas vezes e em Itaparica, por causa de gente que o assediava enquanto ele queria tranquilidade. Curtimos muito nossa amizade. Um dia, intempestivamente, ele se separou da primeira mulher. Ela me contou uma história e ele me contou outra. Evidentemente as histórias eram completamente diferentes. Nunca questionei nenhum dos dois. Ouvia um, ouvia o outro e ficava calado. Nunca tomei partido.

Depois ele foi para Portugal e para os Estados Unidos. Aí nos afastamos. Em Portugal conheceu sua segunda mulher. Depois voltou para o Brasil e aí foi a minha vez de viajar. Me embrenhei pela Amazonia. Fui trabalhar como fiscal de obras da Ceplac [órgão criado pelo governo federal para cuidar da recuperação da lavoura cacaueira com sede em Itabuna-Bahia] na Amazonia e passei mais de quinze anos fora da Bahia.

Um belo dia em 1979 já de volta à Bahia estava numa churrascaria na Pituba em Salvador – pouco antes de Glauber Rocha morrer – e eis que chega João Ubaldo com sua nova esposa. Sentamos juntos e começamos a bater papo. Lá pelas tantas ele perguntou:

“Você continua comunista?”
Respondi: “Não só continuo como fundei o Partido Comunista em Itabuna!”
Ele riu muito… Eu disse: “Pois é, continuo!”

Depois disso morei em Brasília até 1985 quando retornei para Salvador. Minha mulher morreu nesse ano. Enquanto eu morava em Brasília ele estava fazendo a versão para o inglês de Viva o Povo Brasileiro. Ele mesmo escreveu a versão. O jornal O Globo tinha dado a ele de presente um computador potente para a época, com editor de texto e tudo. Daqueles que escrevia com letras grandes e resolução horrorosa. Ele trabalhava diariamente na Biblioteca em Itaparica de 5 às 9 horas da manhã. Depois ia para o Bar do Negão na Praça da Igreja e ficávamos bebendo até a hora do almoço.

No veraneio de 1986 após a morte de minha mulher foi que ele fez a primeira crônica me chamando de Zeca mesmo. Aproveitou minhas viagens para a Amazônia. Escreveu que fui comprar um cadarço, sumi e reapareci tempos depois em Rondônia. Houve uma história verdadeira, parecida com isso, mas se passou em Ilhéus.

Eu realmente saí um dia para comprar um cadarço e só reapareci dois dias depois. Foi um escândalo na cidade!

Ele aproveitou o ocorrido e introduziu a Amazônia como pano de fundo.

Batendo papo

Batendo papo no quintal

A história de Zecamunista foi nos anos noventa e tantos, dois mil, por aí assim… Nem lembro direito quando escreveu a primeira crônica falando de Zecamunista. Ele era cronista d’O Globo desde 1986. Mandou fazer uma “charge” minha montado num camelo. Aproveitou o pessoal do jornal que desenhava e botou um camelo devido a minha origem libanesa. Ainda não tinha usado a alcunha de Zecamunista. Ele era também amigo de dois irmãos meus: Luciano que já morreu que ele chamava de Kibe Frito e Sérgio Harfush. Neste ele nunca botou apelido.  Depois ele sumiu por um bom tempo. Foi quando assumiu a Academia Brasileira de Letras.

B.B.: Teve um história sua com ele sobre um blazer?

Zecamunista: Teve sim. Lembro que em 1986 ele foi com Jorge Amado para os Estados Unidos representar o Brasil na abertura da Assembléia da ONU.

Chegou para mim em Itaparica e disse: “O que é que eu faço, Zeca? Eu não tenho paletó! Como é que eu vou para a ONU?”
Respondi: “Calma João, eu tenho dois blazers.
– Mando buscar em Salvador e você testa os dois.
– Não lhe dou um terno porque com essa sua barriga não vai caber mas, num blazer tudo bem.”
Foi com meu blazer para Nova Iorque. Aí falou a seguinte frase com aquela voz retumbante e gargalhou:

“Zeca, você não vai aparecer na ONU mas, seu blazer vai! Vai ficar famoso!”

Depois surgiu o nome dele como candidato à Academia Brasileira de Letras lançado por Jorge Amado. Era o padrinho dele na Academia. Um padrinho forte para a porra!

B.B.: E a história do carro com alto-falante que você mandou botar na sede da Coelba [distribuidora de energia elétrica no estado da Bahia] em Itabuna?

Zecamunista: Eu tinha me mudado para Itabuna. Deixei meus filhos com minha mãe em Salvador e fui para assumir a agência da Coelba por indicação do Sindicato dos Eletricitários do Estado da Bahia. Entretanto, o Waldir PIres, nosso governador na época, botou minha indicação na mesa e nunca dava o despacho final. Com isso o pessoal ligado a Antonio Carlos Magalhães (ACM) continuava ocupando os cargos no segundo e terceiro escalões. O governador não se mexia. Acionei o Partido Comunista Brasileiro ao qual eu era afiliado na época. Fui a Brasília procurar o deputado federal João Santana. Não adiantou. Não moveu uma palha.

Aí decidi botar um carro com alto-falante na rua com o jingle da campanha do Waldir Pires que era “A Bahia vai mudar”…. Botei mesmo!

Botei o carro na porta da Coelba em Itabuna. A maior parte da Diretoria da Coelba em Salvador era do PC do B, gente com quem nunca me dei muito bem. Mandaram me chamar em Salvador: “Zeca, pelo amor de Deus, tira esse carro de lá!”  Perguntei: “Tirar por que? Que mudança de governo é essa? Já se passaram seis meses e vocês ainda estão deixando um cara desses lá! Sempre foram contra nós!” Ouvi em troca: “Quinta feira ele sai”. Liguei para o Diretório e voltei para Itabuna. Efetivamente na quinta feira tiraram o representante do grupo de ACM e o carro de som saiu… Indicaram provisoriamente um primo da mulher de Waldir Pires que era funcionário da Coelba. Menos mal…

Tudo bem. Fiquei tranquilo. Voltei pra Salvador meio ressabiado com o Governador: Não por ele não ter indicado o meu nome; muito mais porque foi preciso toda essa pressão para retirar um representante do grupo de ACM! Foi Fernando “Cuma”, prefeito de Itabuna quem falou para o Waldir Pires:

“Eu não quero esse comunista aqui na Coelba”.

Ficou definido que eu não iria. Foi o prefeito quem escolheu todas as pessoas para ocupar os cargos estaduais em Itabuna, por incrível que pareça no Governo Waldir Pires! Ninguém mais do que ele! Aí você já viu para onde iria esse governo que terminou tragicamente… Uma tristeza…

Rapaz, fiz campanha para Waldir Pires, fiz miséria… Tirei dinheiro do meu bolso e comprei carro para a campanha em Itabuna. Comprei uma caminhonete que nunca voltou para mim. Comprei e doei ao partido para trabalhar por Waldir Pires achando que íamos derrotar ACM. Uma vitória histórica e depois foi aquela loucura… Waldir entrou naquela canoa furada de vice do Ulysses Guimarães… Pode?

B.B.: Como foram os dois episódios em que João Ubaldo perdeu o humor e fez cara feia?

Fumando no hospital. Pode?

Fumando no hospital. Pode?

Zecamunista: No último aniversario dele em 2014 ele estava insuportável. Irreconhecível. Intolerante com todo mundo. Um dia, dei-lhe um esporro mas, dei-lhe mesmo. Eu estava em casa e por volta das cinco horas da tarde ele ligou: “Vá para o Bar do Espanha porque estou indo para lá agora tomar um whisky.” Ele voltou a beber whisky. Fazia anos que não bebia. Tomava sempre um chopp lá no Rio de Janeiro com a turma que ele tinha no Tio Sam. Nesse dia, fomos para o Bar do Espanha. Tava cheio de gente. Ai chega um sobrinho meu filho de Sergio, com um amigo. Rapaz, João estava encostado na parede e eu perto. Não tinha mais nenhum banco na mesa. O camarada chegou, abraçou João Ubaldo e disse: “Serginho, bata uma foto aqui”… Pronto foi o suficiente. O João fechou a cara e virou de costas para a câmera. Serginho “pá”: bateu. Quando viu o resultado disse: “Deleta essa foto”…

Aí João se mancou. Caiu a ficha. Viu a cagada que tinha feito. Ficou chateado mas, a merda “tava” feita.

A outra demonstração de intolerância foi com um grupo de japoneses. Eu estava com ele debaixo daquele oitizeiro lá na Praça da Quitanda, sentado no Bar do Negão antes do almoço. De vez em quando eu ia lá no Espanha e pegava whisky para ele. Não vende whisky no Negão. Só cerveja e cachaça. No tempo que ele era pobre, era Old Eight. Depois não, assentou o rabo na grana e aí era whisky de boa qualidade. Quando voltei, olhei para ele e perguntei: “O que houve?” Ele disse: “Estou sentindo que aquela tropa de japoneses, está tirando fotos e vai se aproximar.” Daqui a pouco tornou a falar: “Estão vindo para cá!” Aí fechou a cara de novo. Eu falei: “Joao, agora queira ou não queira você é conhecido nacional e internacionalmente. Pare com isso e receba bem o pessoal.” Dessa vez felizmente ele aceitou. Aí uma japonesa se aproximou e trouxe um livro dele para autografar. Ele autografou, mas com a cara fechada. O pessoal foi embora. Aí eu disse para ele: “Você está cansado! Que porra é essa rapaz?” Ele retrucou: “Eu não tenho mais paciência…” Eu respondi na lata:

“Então não venha para praça pública. Fique em casa e beba lá.” Mas, tudo isso era passageiro. Ele não era assim…

B.B.: É verdade que ele dizia que ia morrer aos 73 anos?

Um dia em Itaparica debaixo das mangueiras onde a gente se reunia todas as noites e fazia também umas outras coisas, estávamos batendo papo e ele falou: “Eu não vou passar de 73″… Eu disse: “Rapaz, que conversa maluca é essa? Ficou louco?”. “Vou morrer com a mesma idade de meu pai e de meu avô!!!”. “Rapaz, que negócio é esse? Está agora dando uma de adivinho, pitonisa? Que porra é essa?” Ele estava realmente com algumas crises de falta de ar por causa do cigarro. “Zeca, eu não consigo largar essa miséria… Larguei a bebida!” Eu ri muito… “Largou a bebida!!! Hum”…. “Mas o cigarro eu não consigo.” Cigarro é difícil. Cigarro é cruel. Ele estava num nervoso danado e repetiu isso duas vezes em duas noites diferentes. Que conversa mais esquisita rapaz… Maluca. Ele estava assim…

Ele botou na cabeça que ia morrer com a mesma idade que morreram o pai e o avô dele: 73 anos. E morreu!

Tanto que quando no dia 18 de julho, às 6 horas da manhã o telefone tocou em casa atendi falando: “Não me diga que é que o que estou pensando?” Ela disse: “É pior”. “É mesmo? Como foi que aconteceu?” Berenice me disse que ele teve um edema e puff… Lá se foi meu melhor amigo… Liguei para Sérgio meu irmão e perguntei se ele queria ir pro Rio comigo. Pegamos o avião e fomos juntos para o Rio. João Ubaldo foi enterrado no dia seguinte pois estavam aguardando a outra filha dele com a portuguesa, que morava na Alemanha.

B.B.: Ele curtia muito os amigos? Gostava de estar com vocês?

Com a filha de Zeca, Tati

Com a filha de Zeca, Tati

Zecamunista: Gostava sim. Adorava… Ave-Maria! Curtia muito estar e falar com os amigos… A gente ficava mais de duas, três horas no Skype conversando maluquice. Teve um dia que eu disse: “Rapaz, parece até que nós estamos namorando”… Toda vez que ele viajava ligava via Skype. Comprou uma câmera para o computador: Dizia:  “Olha como eu estou bonito aqui na Alemanha!”. Eu respondia: “Rapaz, cuidado com esse negócio de câmera. Diga a sua mulher Berenice que ela está aparecendo aí atrás…”
Berenice nem ligou… Uma mulher extraordinária. Só ela para aguentar o João Ubaldo e suas presepadas.

Eles se conheceram no Rio Grande do Norte. Foi uma paixão à primeira vista. Fulminante. Ela era casada com Henfil e me disse:

“Zeca, quando eu conheci este homem, me apaixonei por ele e ele por mim.”

“Berenice, para aguentar este homem trinta anos só você mesmo! Também ela administrava tudo. João não assinava um cheque. Era ela quem fazia tudo. Ele não pagava uma conta, nem sabia quanto tinha no banco. Não sabia porra nenhuma!

Ele queria voltar para Itaparica. Não voltou depois que os filhos cresceram, porque Berenice tinha o consultório dela no Rio. Era psicóloga e gostava da profissão. Então ela disse: “Para Itaparica eu não volto mais. Vai ficar no Rio aqui comigo.” Ele estava louco querendo morar novamente em Itaparica.

Da turma do Rio tinha um amigo dele que era uma grande figura: Capitão Schutz. Um gaúcho, piloto de avião, ex-comandante da Varig. O pai era alemão. Gente boa pra porra! João me falava sobre essa turma pelo Skype. Um dia ele me convidou para vir ao Rio conhecer os amigos dele. João dizia: “Zeca, eles pensam que você não existe”…  Então peguei o avião e fui pro Rio para conhecer a turma dele. Foi o maior sucesso. Estavam curiosos para conhecer o Zecamunista, criado pelo amigo deles. Fui várias vezes ao Rio ficar com ele e com os amigos. Saía daqui sexta feira e voltava na segunda. Toda a turma dele gostava de mim. Tinha um restaurante junto ao Tio Sam e quando as pessoas sabiam que eu estava lá, vinham para conhecer o personagem. Perguntavam: “quem é Zecamunista aqui?” Os amigos apontavam: “É esse aqui”. Fiquei um personagem famoso também naquelas bandas…

B.B.:  Zeca devo dizer que eu apreciava muito as crônicas que João Ubaldo escrevia aos domingos n’O Globo. Me lembro bem que no meio daqueles editoriais pesados sobre a situação política, econômica e social do Brasil estava a crônica dele. Aquela coisa leve, hilária e gostosa de ler. Muita gozação utilizando personagens da Ilha de Itaparica e apresentando a Humanidade de uma maneira caricata e gozadora, que só ele era capaz de fazer…

Com Berenice

Com Berenice

Zecamunista: De vez em quando ele escrevia umas coisas e se metia em cada enrascada! Eu dizia: “Tá dando uma de cientista  político?” Porque ele estava “metendo o pau” no  Lula.  Era impressionante, vou te contar. Quem teve a sorte de conhecer João Ubaldo como eu conheci? Só andava sorrindo. Achava graça de tudo e era um grande gozador. O mau humor dele era uma coisa passageira, de minutos.  Naquela época não tinha dinheiro coitado, ganhava o certinho com as crônicas d’O Globo. Dos livros ele dizia que não recebia dinheiro nenhum. As viagens eram patrocinadas. Os alemães patrocinaram várias viagens à Alemanha assim como os franceses. Geralmente as editoras dos livros dele também patrocinavam as viagens. Depois ele ganhou o prêmio Jabuti. Passou a ganhar bem e recebeu um prêmio de cem mil reais. Dizia: “Tô rico, tô rico”… Posteriormente ganhou o Prêmio da Língua Portuguesa. Parece que foram cem mil euros. Falava: “Estou rico prá porra”. Já morando no Rio de Janeiro.

“Zeca, nunca mais fui na Academia. O jeton está ótimo: mil reais!” “Rapaz, você tá enjeitando mil reais de jeton para não fazer nada?”. “Zeca, não tenho saco para ir para a Academia”. Isso foi em meados dos anos 90. Ele foi para o Rio, morou no apartamento que era de Caetano Veloso e depois o comprou com o dinheiro que os editores lhe adiantaram.

B.B.: Como foi a história de você vestir o fardão da Academia Brasileira de Letras de João Ubaldo? 

Zecamunista: Um dia chegamos na casa dele já cheios de whisky, eu e ele. Ele mostrou o fardão da Academia. Não resisti. Disse para ele: tenho que vestir esse fardão. Vesti e minha namorada fez uma foto. Cheguei em Itabuna e mostrei a fotografia para os todos os meus amigos. Só que eu tinha um amigo que era um grande sacana. Você deve ter conhecido: Manoel Leal. Jornalista do “A Região”. Você acredita que ele me aprontou uma?  Pegou minha foto vestido com o fardão de João Ubaldo da Academia Brasileira de Letras e publicou no jornal dele! Rapaz, que confusão. Foi um vexame… Fiquei doente ao ver a foto publicada. Liguei para o Manoel: “Olha, você roubou essa foto e publicou. Fez sacanagem comigo das grandes”. Meu consolo é que o jornal é provinciano, não sai de Itabuna. Me acalmei pensando que o assunto não ia sair dali…

Vesti o fardão de João Ubaldo que Jorge Amado deu a ele de presente.

Quando eu contei para ele o que tinha  acontecido em Itabuna com a foto do fardão ele falou:

Rapaz, você ficou maluco?

Eu não podia fazer mais nada. Tava publicado.

B.B.: E a Academia Brasileira de Letras e também a da Bahia?

Zecamunista: Ele falava que quando ia às sessões na Academia tinha a Nélida Piñon que era muito amiga. Ele dizia que quando queria contar as maluquices dele na Academia, contava para ela e davam muita risada.

Quando João morreu, no velório foi lida pelo vice-presidente uma nota da Academia Brasileira de Letras que achei fraquíssima. Para mim, a Academia não demonstrou o reconhecimento da dimensão que ele tinha para a cultura brasileira. E sabe por que? João era muito ausente na Academia…

Para ele ser reconhecido e entrar na Academia de Letras da Bahia demorou um tempão! Foi só em 2012. Pode um negócio desses? Ele guardou uma mágoa muito grande disso. Entrou na Academia Brasileira de Letras em 1994 e na Bahia somente em 2012… Êta Bahia…

                                           O beijo do amigo

O beijo do amigo

B.B.: Você sente muita saudade dele?

Zecamunista: Sem dúvida. Deixou muita saudade. Esse ano eu estava olhando as fotos dos últimos veraneios em Itaparica. Me bateu uma saudade da porra dele!

Nesse verão fui para Itaparica apenas para ver Berenice. Fomos tomar cerveja no Bar do Negão.

Posso concluir dizendo que Itaparica perdeu 90% da graça para mim.
Agora que meu amigo João Ubaldo se foi, não tem mais ninguém para bater papo…

11 comentários em “Também, João Ubaldo, com uns amigos desses… nem Itaparica aguenta! Bate-papo com amigos do escritor – Final

  1. Taí, coroinha, engenheiro, médico (pois passou no vestibular, num foi???) e agpra, também memorialista. O material tá legal, muito bom, aliás, o irmão de Mona, Moníssima, Monérrima, não vamos tripudiar, bate bem a bola…

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    • Caro guru Paulo Afonso. Lembrei que você, depois de ser meu líder no saudoso semanário grapiúna Desfile, foi colega de redação do João Ubaldo Ribeiro na Tribuna da Bahia, não é verdade?

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      • sim, ainda trabalhava lá quando o João foi editor chefe. Não precisa dizer sobre o seu relacionamento com o pessoal, sempre na base da gozação… Sim, da sua “folha corrida”, ainda faltou citar entre suas ocupações, a de guia turístico, intérprete/tradutor e de professor (teacher)

        Curtido por 1 pessoa

    • Rapaz, é verdade. Poxa só agora estou me dando conta de que o que já fiz é digno de uma “folha corrida” mesmo. Cacete! Tô vendo também que o Alzheimer andou longe de você! Forte abraço saudoso!

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  2. entrevista reveladora, apesar de saber muito sobre sua obra, sua vida
    Suas crônicas satíricas farão falta muitos anos ainda. Fico imaginando personagens, empreiteiras, doleiros… que ele criaria com essa Lava-Jato. Tudo seria mais leve porque ele nos fazia rir!! Um beijo Zecaminista. Saudades , meu Imortal

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  3. Grande Zeca,
    Estas histórias não podem ficar restritas a esta entrevista.Gostaria de vê-las(entre outras) em livro.
    Serei o primeiro da fila de autógrafos.

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  4. Conheço o João só desde o casamento dele com Berenice uns 35 anos atras. Alias, conhece ele através da Berenice sendo uma das melhoras amigas da minha mulher Irani . Sendo Holandês , tive a maior dificuldade de compreender por completo o Joao e suas historias.

    De fato sempre muito bem humorada mas reconheço sua aborri simento quando , for exemplo no Negao , o pessoal queria tirar foto com ele.
    Depois 35 anos de conhecimento e uns 10 anos de ferias compartilhado na casa dele na Itaparica , acho que nem tenho uma foto junto com ele.

    Compartilhei naturalmente as noites de “conta historias” com pessoas como Zeca , Toninho , Sergio , Mona e não sei quantas mais que não lembro o nome.
    Nunca entendi, e comentei, que quando cada noite tinha uma historia novo de Zeca ou Joao , que eles desconheciam ou não se lembravam.

    Amigo dele era amigo dos amigos dele.!

    Ele nunca falou abertamente mas acho que demorei os primeiro anos para ficar amigo dele porque eu era “Holandês” . João “odiava” os Holandeses. Existe a historia de verdade e as historias segundo João. Ate agora tenho que rir. Claro os Holandeses invadiram e tentaram conquistar Bahia. Quando foram expulsos muitos fugiram para Itaparica. Nem discuto que foram todos vagabundos. Ai vem: Segundo João foram os holandeses que inventaram escalpar uma pessoa , e não os Índios. ! So Joao poderia “inventar” uma coisa dessa . Deve ter sido depois a convivência com ele e Berenice que existia pelo menos um Holandês que não era considerado tao mal.

    Que saudades. !

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  5. Caro van Kleef, em sendo holandês jamais escaparia da fúria de João. Então aproveite, relaxe e ria muito pois suas histórias são hilárias e veja que não tive o prazer de conviver com ele senão nas festas de aniversário em Itaparica quando ia assistir aquele espetáculo imperdível que os itaparicanos e outros nem tantos faziam para prestigiar a prata da casa.

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