“Raiz” – A exposição de Weiwei no Ibirapuera em São Paulo

Árvore

Uma árvore, outra árvore
Cada uma de pé e ereta.
O vento e o ar
Dizem de sua distância.
Mas abaixo da capa da terra
Suas raízes se estendem
E em profundezas que não se veem
As raízes das árvores se entrelaçam
Ai Qing, 1940

Ai Qing, é o poeta libertário chinês, e pai de Ai Weiwei. Quem leu o post anterior sabe. Quem não leu também não precisa ler. A vida segue sua rota incólume sem se importar com o tamanho da nossa ignorância ou pouco se lixando para ela.

Embora ainda não o conheça pessoalmente, tiro o meu chapéu para o Marcello Dantas, curador de “Raiz“, e que teve a sabedoria de, ao buscar o Weiwei, perceber a dimensão humana do artista. Missão difícil para qualquer curador que se preze.

Sacou desde cedo que lidar com o chinês era uma caixinha de surpresas, pois demonstrou logo de saída que, mais importante que a arte, Weiwei queria era falar e mostrar a vida. Nem tanto sobre a dele, já bastante badalada e conhecida, mas a dos anônimos, dos sofredores, dos itinerantes, dos imigrantes, dos fugitivos, das minorias, dos esquecidos, dos problemáticos, dos sem perspectivas, das vítimas dos podres poderes dos homens e dos poderosos de plantão do mundo.

Por isso mesmo, dos que mereciam e merecem um minuto que seja da atenção do mundo. Da sua, da minha, de todos…

Para benefício de nós brasileiros, e dos paulistanos em especial, o Marcello conseguiu compreender a complexidade do artista, a quem convidou para expor no Brasil. A singularidade da história é que, mais que uma mostra dos trabalhos realizados anteriormente pelo Weiwei, o que houve foi uma verdadeira interação do artista com o Brasil e suas dimensões continentais, seus problemas para se firmar como nação, as angústias de um país com um potencial monumental e uma sociedade desigual, injusta e imoral, como a que temos até agora.

Ao visitar a mostra, ficou claro, pelo menos para mim, a ambição do curador Marcello Dantas de tentar que o Weiwei fizesse uma leitura antropofágica (o nome saiu tão feio que fiquei com a sensação de ter acabado de o inventar como um generoso Frankenstein), do Brasil, e que dessa interação pudesse ser apresentada ao público a visão de um artista, agora não mais apenas chinês, mas, um pensador do mundo, sobre a perspectiva da arte em um país carente de todas as coisas, principalmente de valores!

Sem querer me perder nesse preâmbulo – agora já mais longo do que o desejado -, não pretendo explicar a arte de Weiwei, muito menos as peças expostas no Ibirapuera, na exposição “Raiz“. Arte não se explica, se sente. Ou não (sai pra lá Caetano…).

Fui conferir e gostei muito do que vi. Eu me senti quase como um assistente do artista em algumas delas. Como se eu tivesse participado de sua construção! Muita ousadia não?

Diante da foto gigante de seu rosto oriental, paciente, transgressor, instigante e desafiador, não hesitei um minuto sequer. Ergui garbosamente meu dedo médio e procurei o ângulo certo. Fiz como Weiwei: desafiei o seu poder. Saiu a foto acima.

Curtam agora algumas das obras fotografadas por mim mesmo na Oca do Ibirapuera, em São Paulo, neste final de novembro de 2018:

                                              Taifeng – Obra em bambu e seda – 2015

O Taifeng foi a primeira obra da exposição com que me deparei, e me impressionou pela leveza, suavidade de sua forma, – Flutuando pendurado pelo teto, dava mesmo a impressão de um anjo – desses criados por um Deus chinês ou não – pairando sobre nossas cabeças e mentes embasbacadas com a aparição.

Esse trabalho foi inspirado nas pipas de Weifang, na província de Shandong na China que também visitei em 2010.

Como está explicado no livro “Raíz Weiwei” – escrito especialmente para a exibição -, “essas criaturas mitológicas refletem a imaginação das pessoas do passado e a linguagem que usavam para comunicar ideias maiores que nossa capacidade de entendimento“. Sacou?

              Conjunto de obras: Cofre de Lua (2008), Reto (2008-2012), He Xie (2011),                               Vasos empilhados com motivo de refugiados (2017), Uvas (2014) 

Dificilmente alguém passará incólume por essa exposição. Quase impossível não mergulhar no mundo multi-dimensional, onírico e reflexivo do artista. Muito menos deixar de sentir que cada obra daquelas tem uma história – muitas simples, muitas engraçadas, muitas complexas, muitas tristes – que retrata um drama, seja pessoal, seja de uma comuna ou da humanidade. Alguns deles ainda presentes nas telas de nossas televisões, computadores e iPhones. Pode-se gostar ou não gostar do que se está vendo. Difícil é passar impune ao percorrer os oito mil metros quadrados da exposição.

Escutei de uma pessoa muito querida: “Não gostei”… Respondi: “Entendo o seu incômodo. Talvez você estivesse esperando algo mais antisséptico e não “merthiolarte”… Brinquei… Ardeu, não foi? É dos antigos. Não adianta soprar. Arde mesmo. Depois passa…”

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Lei da Viagem (Protótipo B) – 2016

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Sementes de Girassol – 2010

                                                             Terra de Raízes – 2018

Pois eu gostei, muito! Valeu a viagem Weiwei! Me fez refletir sobre a humanidade, a desumanidade, a unanimidade, a vaidade, a simplicidade, a verdade, a falta dela, o trabalho, a falta dele, a dignidade humana, os valores e os tempos que vivemos com todas as contradições. Me indignei…

Para onde caminha essa humanidade, eu não sei. Sei apenas que o meu caminhar se tornou mais solidário, e, menos solitário, depois de ver a(s) “Raíz(es) – de Ai Weiwei, e de rever as minhas. Respeito-as cada dia cada vez mais!

Esse post não tem a pretensão de substituir a exposição “Raiz“. Ao contrário, ele pretende ser apenas um estímulo para quem quiser se arriscar ou arriscar suas raízes, visitando a exibição em São Paulo.

Mais informações:
https://parqueibirapuera.org/ai-weiwei-faz-exposicao-na-oca-do-parque-ibirapuera/

Beto Benjamin

 

5 comentários em ““Raiz” – A exposição de Weiwei no Ibirapuera em São Paulo

  1. A analogia do merthiolate foi ótima, me remeteu ao título (igualmente feliz e tão caro a mim) do Lobo Antunes: “Que farei quando tudo arde?”.
    Estarei em Sampa em breve, quero eu também erguer o dedo médio em direção ao artista (o legítimo gesto).
    Venho contar…

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  2. Adorei primo…como sempre interessantes e divertidas suas observacoes,espero breve ir a São Paulo ver de perto essa exposicao tao delicada ,instigante e impar!

    Curtido por 1 pessoa

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