mahmoud darwish – palestino, poeta – expulso da própria terra!

Dedicado a Yara Alencar

Mahmoud Darwish nasceu em 13 de março de 1941, no vilarejo de Al-Birwa próximo de Acre na Galileia ainda na época do Mandato Britânico na Palestina. Foi o segundo dos oito filhos de uma família sunita de proprietários de terra. Sua vila foi inteiramente arrasada pelas forças israelenses, durante a guerra de 1948 quando da criação do estado de Israel. A família foi se refugiar no Líbano. Ao retornar clandestinamente um ano depois, descobriram que suas terras tinham se tornado uma colônia agrícola judaica.

Eu me recordo muito bem… Enquanto nós dormíamos, conforme a tradição nos vilarejos, no telhado da casa… Os tiros que atingiam uma aldeia pacífica, Birwa, naquela noite de verão de 1948, não poupavam ninguém. Eu me vi (no dia em que completava seis anos) caçado até o olival, escalando aquela montanha íngreme, por vezes rastejando. Depois de uma longa noite de sangue, terror e sede, cheguei a uma aldeia estrangeira com crianças desconhecidas, eu perguntei: ‘Onde estou? E pela primeira vez ouvi a palavra ‘Líbano'” .

Darwish vivenciou na pele durante toda a sua vida, a diáspora provocado pelos israelenses – ironia das ironias – cuja gente enfrentou a maior diáspora que se tem notícia na história da humanidade: a dispersão do povo judeu, no decorrer dos séculos por todo o mundo. Some-se a isso o horror e a tragédia do Holocausto que sacrificou a vida de mais de 6 milhões de judeus europeus, pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Difícil se colocar no lugar dele (e dos palestinos) tentando entender ou experimentar os sentimentos de frustração, impotência e raiva que tiveram diante de uma situação extrema como essa e outras com o passar do tempo. Entretanto, esse pano de fundo estará sempre presente na sua poesia sinalizando a origem e o tamanho de sua revolta.

Considerado o maior poeta palestino, sua poesia retrata a dor do “deslocamento” com todas as suas particularidades, sutilezas e sofrimentos. Na sua poética, a Palestina é apresentada como metáfora do “paraíso perdido”, nascimento e ressurreição. Sua obra retratando principalmente a angústia do exílio está traduzida em mais de 20 idiomas, inclusive o português.

Darwish escreveu em 1988 a Declaração de Independência da Palestina, lida pelo líder palestino Yasser Arafat quando declarou unilateralmente a criação do estado Palestino, não reconhecido até hoje por muitos países. Foi integrante da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de onde se afastou em 1993 por discordar da posição da OLP diante dos Acordos de Oslo patrocinados pelos Estados Unidos.

Para ele esse acordo foi “um toma lá, dá cá” de troca entre poderes. A OLP capitulou para ter sua autoridade reconhecida por Israel. O rolo continua até hoje e não se sabe por quanto tempo aquela situação vai perdurar. Volta e meia a revolta palestina explode e como sempre, morre muita gente inocente. Israel bombardeia Gaza e Cisjordânia e os palestinos fazem chover foguetes sobre Israel.

A estupidez humana mais uma vez mostra não ter limites e os conflitos se sucedem sem perspectiva de mudança. Não há solução política e a ocupação militar da Palestina não resolve o problema. Até quando a existência de um povo tem que ser a negação do outro?

Mahmoud foi preso pelos israelenses diversas vezes entre 1961 e 1967, quando passou a viver oficialmente como refugiado. Em 1996 o governo de Israel o autorizou a comparecer em sua terra natal para um funeral.

Faleceu aos 67 anos em Houston, Texas, Estados Unidos em 9 de agosto de 2008 de complicações decorrentes de uma cirurgia cardíaca e foi enterrado em Ramallah, Cisjordânia num funeral com participação popular só superada pelo de Yasser Arafat.

Para entender a poesia de Mahmoud Darwish é preciso fazer uma viagem no tempo e se perguntar por que lutam até hoje israelenses e palestinos/árabes? Aquela região se transformou num verdadeiro “saco de gatos”. Para isso, após fazer uma pesquisa na internet, optei pelos vídeos da correspondente da BBC de Londres em São Paulo Camilla Veras Mota que me pareceu fazer uma narrativa equilibrada dos conflitos e suas origens. Faça você mesmo sua avaliação. Os vídeos estão no final do post.

Penso que todos os poetas sonham ser a voz dos outros!

Não gosto de ser o representante do povo palestino porque dificilmente me represento a mim próprio!

A seguir um dos poemas mais conhecidos e emblemáticos de Mahmoud Darwish transformado em uma canção palestina de protesto. Por causa dele, foi parar na cadeia. Em Israel é claro!

Mulher palestina atirando pedras em soldados israelenses na fronteira de Gaza com Israel. (The Telegraph, 2018)

Protesto de mulher palestina (The Telegraph, 2018)

Bilhete de Identidade
Escreve!
Sou árabe
e o meu bilhete de identidade é o cinqüenta mil;
tenho oito filhos
e o nono chegará no final do Verão.
Vais zangar-te?
Escreve!
Sou árabe.
Trabalho na pedreira
com os meus companheiros de infortúnio.
Arranco das rochas o pão,
as roupas e os livros
para os meus oito filhos.
Não mendigo caridade à tua porta,
nem me humilho nas tuas antecâmaras.
Vais zangar-te?
Escreve!
Sou árabe.
Sou um homem sem título.
Espero, paciente, num país
em que tudo o que há existe em raiva.
As minhas raízes,
foram enterradas antes do início dos tempos
antes da abertura das eras,
antes dos pinheiros e das oliveiras,
antes que tivesse nascido a erva.
O meu pai descende do arado,
e não de senhores poderosos.
O meu avô foi lavrador,
sem honras nem títulos,
e ensinou-me o orgulho do sol
antes de me ensinar a ler.
A minha casa é uma cabana,
feita de ramos e de canas.
Estás feliz com o meu estatuto?
Tenho um nome, não tenho título.
Escreve!
Sou árabe.
Roubaste os pomares dos meus antepassados
e a terra que eu cultivava com os meus filhos;
não me deixaste nada,
apenas estas rochas;
O governo vai tirar-me as rochas,
como me disseram?
Escreve, então,
no cimo da primeira página:
a ninguém odeio, a ninguém roubo.
Mas, se tiver fome,
devorarei a carne do usurpador.
Tem cuidado!
Cuidado com a minha fome,
Cuidado com a minha ira!

Darwish foi autor de mais de trinta livros de poemas e oito de prosa. Se apaixonou quando jovem por uma judia, Tamar Ben Amin e escrevia para ela chamando-a de Rita. Foi agraciado com diversos prêmios internacionais por sua obra literária. Recentemente a editora Tabla lançou na Livraria da Travessa no Rio de Janeiro o livro de poemas “Onze Astros”. Abaixo mais um de seus poemas.

“Cada canção de amor que escrevo, dizem que é sobre a pátria. ‘Rita’ é um poema erótico. Escolhi esse nome mas, o nome dela não é Rita. É uma mulher judia.”

O Jardim Adormecido

Quando o sono a tomou nos braços, retirei a mão,
contornei os seus sonhos,
vi o mel desaparecer atrás das suas pálpebras,
orei por duas pernas miraculosas.
Inclinei-me sobre as palpitações do seu coração,
vi trigo sobre mármore e sono.
Uma gota do meu sangue chorou,
estremeci…
Um jardim dorme no meu leito.

Dirigi-me para a porta
sem olhar para a minha alma sempre adormecida.
Ouvi o rumor antigo dos seus passos e o sino do meu coração.
Dirigi-me para a porta.
– A chave está na sua bolsa
e ela dorme como um anjo depois do amor –
Noite chuvosa na rua e nenhum ruído,
a não ser as palpitações do seu coração e a chuva.
Dirigi-me para a porta.
Esta abre-se.
Saio.
Ela fecha-se.
A minha sombra desliza atrás de mim.
Porque digo adeus?
Eu sou, a partir de agora, estranho às lembranças e à minha casa.
Desci as escadas.
Nenhum ruído,
a não ser as palpitações do seu coração, a chuva
e os meus passos sobre os degraus que vão
das suas mãos a um desejo de viajar.

Cheguei à árvore.
Aqui, ela abraçara-me.
Aqui, feriram-me raios de prata e de cravos.
Aqui, começava o seu universo.
Aqui, ela terminava.
Parei durante alguns instantes feitos de lírio e de inverno,
caminhei,
hesitei,
depois avancei.
levava os meus passos e a minha memória salgada.
Caminhei na minha companhia.

Nem adeus nem árvore.
Os desejos adormeceram atrás das janelas,
as histórias de amor e as traições
adormeceram atrás as janelas,
e os agentes de segurança também.
Rita dorme… dorme e desperta os seus sonhos.
De manhã terá o seu beijo
e as suas visitas,
em seguida preparará o meu café árabe
e o seu café com leite.
Interrogar-me-á, pela milésima vez, sobre o nosso amor.
Responder-lhe-ei:
Eu sou o mártir das mãsos que
todas as manhãs me preparam o café.
Rita dorme… Dorme e desperta os seus sonhos
– Vamos casar-nos?
– Sim.
– Quando?
– Quando o lilás crescer nos bonés dos soldados.
Ultrapassei as ruelas, o edifício dos correios, as esplanadas dos
cafés, as boites nocturnas e as suas bilheteiras.
Amo-te, Rita. Amo-te. Dorme.
Daqui a treze invernos, perguntarei,
perguntarei:
– Ainda dormes?
– Já acordaste?
Rita! Rita, amo-te.
Amo-te…

O Jardim Adormecido e outros poemas,
Seleção e tradução de Albano Martins,
Porto, Campo das Letras, 2002

Vídeos da BBC de Londres sobre as origens do conflito.

Vídeo 1/3 de Camilla Veras Mota da BBC de Londres
Video 2/3 de Camilla Veras Mota da BBC de Londres
Video 3/3 de Camilla Veras Mota da BBC de Londres

6 comentários em “mahmoud darwish – palestino, poeta – expulso da própria terra!

  1. Parabéns Benjamin pelo excelente texto sobre o poeta Darwich. Os vídeos da BBC anexados ao post, também esclarecem vários pontos desse conflito milenar entre Árabes e Judeus.

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  2. “A estupidez humana mais uma vez mostra não ter limites e os conflitos se sucedem sem perspectiva de mudança. Não há solução política e a ocupação militar da Palestina não resolve o problema. Até quando a existência de um povo tem que ser a negação do outro?” a separaçao de dois povos irmaos, infelizmente, depende de interesses, ambicoes e egos de individuos que certamente nao têm sensibilidade para entender a profundidade dos poemas de Darwich.

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