O poeta e os espelhos!

Vejam no que pode dar uma conversa!

Comentei dia desses com meu amigo e poeta Érico Braga, que havia escrito um poema sobre a gravidade e, que o próximo seria sobre o espelho, já que a sala onde o primeiro se inspirou contém espelhos. Muitos espelhos…

Fui logo “vendo” imagens partidas e outras lembranças de coisas – nem tão justamente repartidas – pela vida: o eu, o nós, as idas e vindas, os amores, o final da partida (ah! a Croácia!) e a partida final (o xadrez do Bergman com a Morte)… Risos… Haja imagens, partidas ou não!

Foi exatamente com um riso – meio que zombeteiro, meio que de menino travesso – pronto para aprontar mais uma estripulia (poética, diga-se de passagem) que Érico me olhou e “enxergou” os meus espelhos…

Sacanamente – como era de se esperar e do seu feitio – me mandou essa pérola que vai abaixo, com dedicatória e tudo. Disse também que:

“este não é o seu poema do espelho, tampouco o meu poema do seu espelho, ou, ainda, sobre o espelho meu, espelho meu, tem alguém mais poeta do que eu.”

 

E ainda arrematou:

“Fiquei a remoer-me com aquilo que te escrevi sobre os lugares comuns dos espelhos partidos (e a música beijo partido e os retratos rasgados ao meio) e fiquei a pensar se ainda é possível fazer poemas sobre o tema e como fazê-los.”

 

Portanto, tenham cuidado quando comentarem alguma coisa com um amigo. Redobrem-nos, se esse amigo for poeta… Se além de amigo e poeta, for também sacana, não tem jeito! Relaxe e vá se olhar no espelho! Foi o que fiz!

Beto Benjamin

ANTIPOÉTICA SOBRE ESPELHOS E EIDÉTICAS  

                                                         para Benjamin  

Ninguém está quando estamos sozinhos
 e a imagem, aquela, que me percebeu, 
    soube não a ausência do meu próprio eu,
            senão, porém, a presença cínica do espelho
 repartido por um ridículo 
  passe-partout que já se perdeu
    [que mão – menor que a do destino – 
    teria tido a audácia de ferir, sem nem tocá-las,
    a minha própria imagem 
    e semelhançazinha?!…]

Tivesse existido – eu – a assistir ou assistido a ou em ou por ou a ter
 aquela sala, diante de um vidro
 de argentado níquel,
           adivinhando o porquê de um peão otário
 ter colocado a fita frágil 
só para impressionar um moço
  de modo inútil e, daí, fictício;
e porque, eu sei, tem tudo a ver comigo
           mesmo, não tendo estado, havido,
       em, ou aquela sala, ou em momento algum,
 em minha própria vida, sequestrada desde o início;
insisti-me (como agora me insisto),
            em ver-me em dois, e só porque
           dois é melhor que zero,
                     (embora deste mais se me adivinhe);
assim, agora, dividido, posso dividir o zero fráctil 
  pelo infinito – e esta matemática vindicta
     muito se me admira e conforta, como deveria,
                               o Ser que, se, quase, não se suporta,
                       quer e sempre quer – e repetido – 
o querer. 

Pudesse eu ser Poeta (como a bilionada de singularíssimos
  que se auto-confortam em roda
        e se aventuram ao mínimo, acariciando-se ao máximo),
              dividir-me-ia em fraturas-metáforas e figuras e versos 
  de coisas íntimas; 
porém, a minha engenharia é metafísica
 e muito mais propícia e esperta do que qualquer
        poética 
do escrever. 

Pudesse ter testado a fenomenologia
     intrínseca de me ver na sala do espelho 
    em pelo e recortado pela crepe  
      anódina e ilegítima, teria sido, eu, o poeta
                   que este mundo havia parido,
 só para o embevecer;
    mas, como lá não estive, e nunca estarei, 
não sou-o, e nem o se Rei,
  assim, como qual – e o tal-, não tenho sido,
      nem inteiro, 
tampouco, repartido…

Minhas faces têm frente e verso, como toda vulgaridade
 da matéria-e-espírito  – qual se fosse jornalística-e- 
literária –, mas, ainda assim, não cabem
em um reflexo de lados, ambos,
 mefistofélicos,
      pois que por demais
 arbitrários

Nunca existiu, por cá, conflito, pois sempre fui o fraco
    que deixava assumir 
o destemido,
      e este simpatético princípio garantiu-me
                            feitos e afetos
                      sem nunca ter-me vendido
              (ou, mesmo, me obrigado
                             a qualquer fato)

Nunca houve em vida a morte, pois tudo era a serviço
 (e não um jogo de cartas)
          de parte a parte, e irrestrito – espécie de green card pelo qual 
     as linhas conduziam, sem delimitar espaços,
                  nem mesmo agora,
              que estou a morrer
                     por uma imagem
               que – eu sei – é minha
só por Ser.

Nunca houve tais divisórias (e como as queria!); e
    queria muito que esta fosse 
              a verdade, mas a verdade é uma simplória, 
          plena de alfândegas e vizinhos e retalhos de geografias com  
     coisas não inacreditáveis
                        em línguas
                    traduzíveis…

Por isso, retorno – como um covarde – a essa “tracejada” infame
      e inadequada; esta linha tão trágica  que jamais
                repartiu a fotografia
                   da minha mágoa,
             mas fosse ela, própria,  
                               que a desenhasse
                   de fragmento a pixel
              sem levantar o lápis 
      num só rabisco abstrato.

Retorno, solícito, e jamais humilde,
    para o fanquisque do carrasco
                            essa linha pontilhada
                       no cangote do novilho – rastro de teclado
                  fazendo meu desenho retrato 
                               com uma faca de lacre
                             que não o ferisse,
                       mas o fechasse… 

Assim é que e para, só, justificar-me
                        ante o discurso de uma página
                  de vidro, 
                                    faço-me saber que posso, talvez, também, 
             rachá-la, agora mesmo, fácil,            
          sem desespero ou com o álibi dos desesperados,
      – mas geneticamente grato 
pela imagem emprestada -,
                        bastando, para isso, 
  tanto em texto quanto em sílica,
só atirar, pra frente, um ponto

ou inventar,
 pra sempre, 

    um traço –



Morro Azul (Paulo de Frontin – RJ), 06_07_2018

4 comentários em “O poeta e os espelhos!

  1. Belíssima poética, sobre todos espelhos que conduzem nossas vivências e relações.
    Que possamos ser moldura de belíssimas reflexões.
    Parabéns por ser esse “Apanhador de Poéticas” do mundo contemporâneo 🙂
    Um forte abraço,

    Curtido por 1 pessoa

  2. Benja, você nasceu, ou se inaugurou, como dizem na Bahia, iluminado… em nossa tragetória, técnica por excelência, encontrar uma figura com a capacidade de sintetizar espelhos com esta categoria é quase um milagre.
    Fantástico!!!

    Curtido por 1 pessoa

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