pedro gordilho e o caminho de santiago! – final

Concluindo finalmente a peregrinação de Pedro e Luiz pelos Caminhos de Santiago.

Beto Benjamin: Faz frio no Capão? Fez frio na caminhada?

Pedro Gordilho: Olha devo pegar uns doze graus na semana que vem, no Capão. No caminho de Santiago, cheguei a pegar temperatura de zero grau. Também durante a caminhada, teve um dia que bateu os trinta e cinco graus! Muito quente mesmo.

Beto Benjamin: Vocês estavam bem agasalhados?

Pedro Gordilho: Um casaco impermeável fino. Não fui preparado para frio não. Tanto é que no primeiro dia fiquei com medo. Levei uma luva que não resolveu muita coisa…

Beto Benjamin: Se fizesse a caminhada novamente o que teria mudado nos preparativos?

Pedro Gordilho: Levaria metade das coisas que levei! Levei quatro camisas UV, duas calças-bermuda, uma bermuda, uma bota, uma sandália Papeete, lanterna, um monte de bagulhinho, saco de dormir, toalha de alta absorção, boné…

Hoje levaria apenas duas camisas, duas cuecas. O negócio é ir alternando o uso na medida da necessidade. Não há vaidade. Sujou, lava, espera secar e usa no dia seguinte. Minha bota furou mas, deu para o gasto. Ajudou muito na descida protegendo os dedos dos impactos. O tênis por ser mais flexível não oferece uma boa proteção para os dedos. São pequenos detalhes que fazem uma grande diferença. Também a sandália Papeete foi muito útil.

Assim! Quando eu chegava num lugar tirava a bota e calçava a sandália até o dia seguinte. Conseguia dessa forma descansar o pé. Em um determinado momento, meu pé me incomodou e não foi pouco. O dedo mindinho formou um calo. Com o atrito criou uma bolha, começou a doer. Eu não conseguia pisar direito.. Doía, doía, doía… E agora, como vou fazer?

No dia seguinte, piorou. Resolvi então andar de sandália. Meias e sandália. Meias por causa do frio. Andei três dias dessa forma e o pé ficou zerado. Eu também me baseava em um livro durante a caminhada. Ele descrevia a topografia dos trechos da viagem. Ajudou muito pois não se andava tão às cegas.

Nunca falei isso para ninguém! Estou falando aqui para você hoje: Penso seriamente na possibilidade de fazer novamente o caminho de Santiago.

Não sei quando! Se daqui a cinco ou seis anos mas, vou fazer “esse negócio” de novo.

Cenas do Caminho de Santiago

Beto Benjamin: Veja: alguém só faz uma afirmação dessa quando a conclusão do que foi feito é a melhor possível. Dá vontade de repetir a dose. Você só quer repetir aquilo que você gosta, que você ama, por alguma razão. Não é?

Pedro Gordilho: Sim. Concordo plenamente.

Beto Benjamin: Que recado você daria para as pessoas que queiram fazer o que você fez?

Pedro Gordilho: Façam o caminho! Só fazendo, vocês entenderão o que estou falando. Meu coração sabe o que me motivou. Eu sinceramente não sei. Não tem palavras capazes de descrever as coisas que senti durante a caminhada.

Beto Benjamin: Sei do que você está falando. Parece mesmo que ao longo de nossa trajetória como seres humanos vamos nos distanciando da nossa verdadeira essência. Quando deveria ser o contrário não é? E uma experiência dessa natureza parece ter o poder de nos mostrar esse caminho de volta, restaurar esse sentir que não tem nada de racionalidade, nem de entendimento, muito menos de explicações. Desejamos compreender todas as coisas que nos acontecem. Buscar uma razão para tudo. Aí entra o sentir, que dispensa qualquer explicação. Torna as explicações desnecessárias, superficiais, supérfluas.

Pedro Gordilho: É exatamente isso Benjamin. Olha, tenho que agradecer muito à minha mulher pois me fez ver diferente. Ela com sua sensibilidade de mulher me fez enxergar coisas sobre a vida, que eu não teria conseguido se dependesse apenas da minha. A sensibilidade dela acho até um pouco exagerada (risos). Eu não teria criado coragem para fazer essa caminhada, sem ouvir as suas visões sobre a vida, sobre as pessoas, enfim ter participado de alguns trabalhos de grupo com ela. Levou grupos de pessoas para o Capão. Eu via aquelas conversas, a princípio um negócio estranho. Eu pensava que isso não combina nada comigo. Hoje entendo muito mais do que entendia antes. A minha terapia também ajudou também, pois me permitiu uma certa dose de auto-conhecimento.

Cenas do Caminho de Santiago

Beto Benjamin: Essa peregrinação me fez lembrar agora de Gurdjieff. George Ivanovich Gurdjieff. Ele também foi um grande peregrino no final do século dezenove, começo do século vinte.. Nasceu pelas bandas da Armênia, filho de pai religioso, frequentou a escola militar. Naquele tempo aquela área era zona de influência da Rússia czarista. Desde cedo ele se interessou por buscar a Verdade. Queria saber onde estava a Verdade. Passou algumas dezenas de anos procurando a tal Verdade. Peregrinou pelo Oriente Médio, andou na Índia, Egito, Irã e Tibete. Andou por toda aquela região.

Em cada monastério que chegava e passava algum tempo, descobria que ali se guardava uma parte do Conhecimento. Mas, não era um conhecimento como entendemos o conhecimento hoje. Era um conhecimento que se originava nos antepassados e era transferido “boca a boca” de geração para geração.

Gurdjieff foi juntando tudo o que apreendeu pelo caminho até que chegou a Revolução Russa comandada pelos bolcheviques. Houve a guerra civil e ele atravessou uma parte da Rússia a pé, com um bando de pessoas que o seguiam, tendo chegado a Constantinopla – agora Istambul – e de lá conseguiu chegar à França. O fato é que em Paris, onde se estabeleceu, passou a influenciar outras pessoas com sua filosofia de vida, criada a partir dessas peregrinações.

Sua filosofia era baseada na constatação de que o Homem vive a vida inteira baseada num estado de “dormência”. Como se não estivesse acordado para as coisas que eram verdadeiramente importantes. Então seu método serviria para “despertar” as pessoas dessa “sonolência”. Ele não acreditava muito em coisas escritas. Só acreditava em coisas praticadas. Ele dava aulas práticas para seus seguidores.

Essa nova filosofia despertou o interesse de alguns ricaços ingleses, franceses e de outras nacionalidades que viviam na Europa. Então Gurdjieff com o apoio financeiro de alguns seguidores alugou um castelo nos arredores de Paris, em Fontainableau e lá se estabeleceu com seus seguidores. Criou essa “escola” com o objetivo de desenvolver sua filosofia. Um dos seus frequentadores mais ilustres era um psicólogo de nome Ouspensky que anotava todos os ensinamentos de Gurdjieff pois tinha uma memória extraordinária.

O próprio Gurdjieff escreveu apenas três livros ao longo de toda a sua trajetória. Um deles chamado Encontros com Homens Notáveis, que depois virou um filme. Ali ele conta os principais homens notáveis que ele conheceu ao longo de suas peregrinações. Depois escreveu Cartas de Belzebu a seu Neto e Em Busca do Ser – O Quarto Caminho.

O notável é que sobre sua filosofia quem melhor escreveu não foi ele. Foi Ouspensky, principalmente em seu “Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido”. Olha só o título do livro do cara! Ali estavam registradas as aulas que o Gurdjieff ministrava. Veja que nesse livro ele mostra a associação entre as escalas musicais, a matemática e a astronomia. Olha só o tamanho da “viagem” do Gurdjieff.

Estou falando isso porque fui apresentado ao trabalho de Gurdjieff por acaso ao assistir no Cine Maria Bethânia em Salvador ao filme “Encontros com Homens Notáveis”. Mais tarde descobri que morava em Salvador um discípulo do Gurdijeff que tinha estudado com ele na França.Tentei encontrá-lo mas percebi que não seria uma coisa fácil. O cara era “protegido” e não estava acessível com facilidade. Insisti na tentativa de encontrá-lo e em pouco tempo fui transferido para trabalhar nos Estados Unidos.

Esse encontro nunca aconteceu!

Pedro Gordilho: Pois é Benjamin. Que história interessante a do Gurdjieff. Vou querer saber mais sobre esse “peregrino”! Vamos marcar um dia para irmos ao Capão? Você vai conhecer meu cantinho lá. Um lugar muito especial. A casa que construí lá tem um nome: “Canto dos Ventos”. Lá venta muito e é onde o vento faz a curva! As árvores sacodem.

Me encantava no Capão quando eu ficava numa pousada, ouvir o vento vindo nas árvores. Foi daí que surgiu a idéia de batizar a casa. Você acredita que a casa ganhou três prêmios de arquitetura? Se você colocar no Google “Cantos dos Ventos” vai ver. O arquiteto que a projetou foi um amigo meu de ascendência portuguesa chamado Joaquim Gonçalves, de Salvador.

Tem uma casa vizinha chamada “Casa do Bomba” de propriedade do André Sampaio, meu amigo e cliente. Um dia ele chegou e disse: “Pedrinho, venha almoçar lá em casa”. Fui. Rapaz, fui presenteado nesse dia. Eu não tinha nenhuma pretensão de fazer casa nenhuma. Quando entrei e vi a casa, fiquei maravilhado. Essa casa tinha ganho o prêmio de arquitetura do ano anterior. Projetada por um arquiteto de nome Sotero. Cara novo.

Nesse dia choveu muito. Após a chuva do morro Branco – que fica na frente de nossas casas – a água descia em cachoeiras de cada fenda existente. Um espetáculo maravilhoso. Inesquecível. Eu não sabia mais para onde olhar. Daí a pouco baixou do morro foi uma cachoeira “de nuvens”. Formou aquele mar de nuvens. Fomos para o terraço da casa dele apreciar aquele espetáculo.

Estávamos acima das nuvens. Aquele mar branco. A mulher do André começou a dançar ballet pois é bailarina. Uma coisa de sonho. Então tomei a decisão:

quero um negócio desses para mim também!

Saí da casa dele e comecei a procurar um terreno nas proximidades. Achei, comprei e fiz minha casa. Essa casa tem três anos que foi construída.

A casa do Pedro no Capão e o Morro Branco!

Beto Benjamin: Pedro, Spinoza disse que Deus era a Natureza. E nós somos parte dela.

Pedro Gordilho: Rapaz, ele disse tudo o que penso. Estou com Spinoza e não abro!

Posso lhe garantir que senti Deus naquela Natureza…

Um comentário em “pedro gordilho e o caminho de santiago! – final

  1. De toda a saga descrita aqui em quatro capítulos, este foi o que me encantou… Soa maravilhoso e muito real. Parabéns aos personagens que o compõe.

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