A aula de alongamento de Jean-Marie Dubrul na Sauer Danças no Rio de Janeiro

Aula de alongamento
Estou iniciando esta caminhada despretensiosa com um post sobre o trabalho de alongamento realizado pelo francês – quase brasileiro, como ele mesmo diz – Jean-Marie Dubrul, professor de Alongamento e Ballet da Sauer Danças, no Rio de Janeiro. Suas aulas são dinâmicas, energéticas, cativantes, diferentes e trazem resultados supreendentes para os participantes, como eu. É só conferir em outro post mais adiante o que dizem os alunos.
A bem da verdade, quero lembrar que, antes do Jean-Marie, tive a felicidade de fazer um trabalho semelhante com o não menos notável Antônio Negreiros, durante vários anos, em sua Academia no Leblon. Posso dizer que fui um dos “órfãos” do Negreiros, que um dia, resolveu sair pelo mundo e se foi… Para minha sorte, pouco tempo depois, minha querida amiga Ana Marta Veloso me convidou para fazer uma aula com o Jean-Marie.
A estréia do site com esses posts é um reconhecimento e uma homenagem ao trabalho desses dois profissionais do alongamento e da dança no Rio de Janeiro, e também um alô aos meus colegas nesse percurso.
O bairro, é o Jardim Botânico. Um belo casarão, no topo da Lopes Quintas, uma das mais tradicionais ruas daquele bairro. As pessoas, vão chegando devagar, geralmente em silêncio e, uma a uma, vão deixando seus pertences num canto do chão da sala – como se se despissem do excesso que carregam consigo no dia a dia – e, como se aquele ritual fosse uma espécie de preparação, para o que está por vir.
São homens e mulheres, de idades as mais variadas. Aqui, isso é o que menos importa. Algumas figuras conhecidas: uns “globais”, outros locais. Gente de toda a parte. Até baiano tem!… Profissões? As mais diversas: bailarinos, economistas, escritores, médicos, administradores, poetas, cantores, engenheiros, arquitetos, artistas plásticos, atores etc. Os tipos físicos também são os mais diversos. A maioria se conhece e, faz alongamento há bastante tempo. Outros, nem tanto. Sempre aparece alguém novo, interessado em conhecer o trabalho.
Os olhares se cruzam, rapidamente, como uma saudação – em geral, desprovida de palavras -. Os “ois”, pronunciados em tom baixo por gente, que pelo menos ali, não demonstra interesse em parolar.
A sala retangular ampla, iluminada de maneira a facilitar os exercícios e, com grandes espelhos ao redor, estendidos de cima a baixo, favorecendo o aumento virtual do espaço. Como se cada um fosse se utilizar de verdade daquele volume extra, engraçado, fictício e ilusório: “Espelho, espelho meu! Haverá alguém mais…”

Aula de alongamento
Jean-Marie entra na sala – devidamente trajado -, ajeita o som, cumprimenta rapidamente todos e, dá inicio aos primeiros movimentos: “Andando”. Todos se põem a andar, num passeio caracterizado pela total falta de direção, similar a um movimento desordenado de partículas. Uma verdadeira entropia de gente. Num desfile forçosamente engraçado – só para quem estiver, de fora, assistindo!…
Nesse passear descompromissado e, fora de hora, as pessoas vão aos poucos se desligando de seus pensamentos, dos problemas da vida lá fora e, se concentrando no trabalho de alongamento que ora se inicia. A música, como um pano de fundo, auxilia na criação do ambiente adequado e, o mestre, acompanha de uma forma toda própria, o empenho dos alunos na execução de cada exercício.
“Cabeça erguida! Nada de olhar para baixo!”, brada ele. “Atenção para a respiratión e os movimentos”, acrescenta. “Deixem que o córpinho carregue suas pernas”, fala, com leve sotaque, revelando sua origem francesa…
Após alguns minutos, o passeio aleatório acaba e, os alunos ocupam “os seus espaços” no salão. Jean comanda movimentos, que são repetidos por toda a turma e, vão se desenvolvendo progressivamente, numa cadência, onde a única força utilizada é, o próprio peso. O grupo acompanha numa coreografia singular – pois não se busca a perfeição como num ballet –, mas sim, a execução dos exercícios e posturas, conforme as possibilidades, tempos e limites individuais.

Aula de alongamento
Os exercícios solicitam de cada pessoa e, a cada instante, distintas partes do corpo, numa gestual slow-motion, que mais parece uma busca por algo invisível, mas que se desconfia existir.
À medida que, a sequência de exercícios se desenvolve, nada escapa do olhar atento e, das intervenções corretivas e, apropriadas de Jean-Marie. Sempre num tom incentivador, porém incisivo, sem margens para fugir. “Córragem”, anima o mestre, num mantra diversas vezes repetido. Certamente coragem, é o que não falta a ninguém ali.
“Solta o corpo. Deixa o corpo solto. Isso… Cuidado! Não é para forçar nada. Eu disse nada. Isso aqui não é Academia, muito menos Terapia. É outra coisa! Se você ainda não sabe, procure saber!”.
A turma já está acostumada e, adora as pérolas, que o Jean-Marie solta, invariavelmente. É só esperar, que vem. Podem demorar um pouco, mas é certo, que vem.
A aula prossegue e, ao completar um exercício no “chão”, onde a tônica é o alongamento dos braços e das pernas, Jean, saca mais uma de seu arsenal: “Atenção para o olhar. O olhar, segue o movimento dos braços. Às vezes, a beleza das coisas, é dada pela direção do olhar…” . Sacou?
O grupo entra naturalmente no ritmo e, consegue executar os exercícios com relativa facilidade, demonstrando familiaridade com as posturas e, um certo domínio da técnica. A liderança de Jean-Marie, é incontestável e, faz toda a diferença. Ele não tergiversa. Ninguém escapa aos seus olhos de lince, treinados durante décadas como professor de ballet. O cuidado e o respeito com todos, é permanente e, notável, gerando uma confiança fundamental, entre aluno e professor.

Aula de alongamento
“Démi-pliez, devagar. Eu disse devagar. Rélevez…mais uma vez! Vamos lá, mais uma vez…Olha essa menina…Fernandinha, que marravilha. Veja como ela faz. Veja como ela encaixa o ombro… Pés arrendondados. Allez…Estão me entendendo? C`est-ça. Traduzindo: É isso aí.”
Uma correção aqui, outra ali – o tempo inteiro – e, ele vai conseguindo levar o grupo na direção e, no ritmo, que deseja. A música, sempre acompanhando. A sessão ocorre, como se cada um fosse o mestre de si próprio. A respiração lembrada e praticada. O mote, sempre repetido:
“Não se isole. Vida é movimento. Sem respiratión não há vida. Eu não sou exemplo. Sou apenas sugestão. Uma possibilidade. Você, trate de descobrir o seu caminho…”
Além da música, só se ouve sua voz. Ele fala, todos seguem, buscando transformar as palavras em guia e, executar os movimentos, respeitando os próprios tempos. Atento aos detalhes dos exercícios, nada foge à sua atenção, rigor e sensibilidade. Conhece cada aluno, sabendo até onde pode ir e, explorando ao máximo, aonde quer chegar.
O tempo, parece passar vagarosamente, naquela sala pois, não se notam expressões de ansiedade, que possam ser interpretadas, como o desejo de que tudo acabe logo. Longe disso. As pessoas parecem curtir bastante, o que estão fazendo.
“Vamos Daniel, estende essa coluna. Você consegue”. “Allez. Não me entendem? Eu estou falando “portugueish légal”. Com um leve sotaque mas é puro “portugueish”. “Vamos mais uma vez: allez , soltando…Lateral direito…”
Nunca se sabe…se isso vai dar certo!
Não se sabe… (úl)tima chance…mais uma vez, vamos…

Aula de alongamento
Aos poucos, a sessão vai se aproximando do final. As pessoas, vão saindo daquele estado de quase meditação e, voltando lentamente à vida real. Nota-se no corpo, uma leveza que não existia antes e, nas expressões , um certo cansaço, que parece apenas, físico.
Para finalizar, a sempre surpreendente “roda”, onde todos de pé se dão as mãos, as luzes se acendem e, o espetáculo ridiculamente engraçado, de escolher “um, para Cristo”, lhe perguntando se se lembra o nome de todos, que estão na sala e, pedindo que recite, um por um. Evidente, que ninguém sabe o nome de todos e, fica aquela coisa engraçada e, ao mesmo tempo constrangedora, por um breve instante, de não saber o nome, de seu colega. Isso acontece com todos, sem exceção: um dia vai chegar a sua vez. Os nomes são recitados, um por um – com ajuda sempre – e, a roda se completa.
“As pérolas filosóficas”, do Jean-Marie, são surpreendentes e impagáveis, provocando, em geral, um misto de riso – ora disfarçado, ora escancarado -, reconhecimento e admiração. Para alguns, esse trabalho mexe com o corpo e, se trata de uma terapia anti-envelhecimento. Para outros, é muito mais que isso. Vai além. De uma certa forma, mexe com a maneira de ser e, de viver.
Programa de saúde? ginástica para a terceira idade, desculpe para todas as idades? Misto de exercício físico e meditação new age? Terapia gestáltica anti-stress? Trabalho com a respiração, movimento e musica? Exercícios anti-envelhecimento? Pode-se escolher o nome ou, os nomes, que quiser, para tentar explicar o trabalho do Jean-Marie. O que as pessoas buscam aqui, não se sabe, mas certamente, encontram alguma coisa do que procuram, pois quem vem, volta sempre.

Aula de alongamento
Na verdade, fica a sensação, de que todos saem dali, com outra energia, outro pique, outra disposição. O resultado de bem estar, é visível em cada pessoa. Pode-se dizer sem medo de errar, que aqui fica a impressão, de que o todo, é maior do que o somatório das partes. Existe uma “química”, uma cumplicidade, entre o Jean-Marie e os alunos, que funciona mesmo. Tem algo diferente. Como essa coisa meio mágica acontece, não se sabe!… Paradoxo inexplicável do alongamento?!… Talvez… Como e, por que isso ocorre?!… Está lançado o desafio, para quem queira apresentar uma explicação.
Será que, porque a aula é de alongamento, se sai maior do que se entrou?!…(rs)… Fora a brincadeira, existe ainda uma outra impressão interessante: a de que o tempo passou, naquela sala, como se não existisse. Pode?
Pois bem, aqui pode tudo. Lá fora, nunca se sabe…
Se você quiser saber mais sobre Jean-Marie Dubrul visite o site: www.sauerdancas.com.br
Beto Benjamin
Roberto!! Amei o blog. Espetacular. Seu texto é muito rico, sensível e inteligente e o mais impressionante é que retrata exatamente o que acontece nesse nosso espaço de dança, de vida, de movimento que respira e flui. Consigo até escutar o som da voz do Jean Marie na entrevista que você fez…Parabéns pela sua iniciativa. Sou aluna do Jean Marie há 14 anos e esse encontro mudou a minha vida. Nesse tempo perdi pessoas, ganhei outras, casei, me separei, tive filho, mas sempre preenchendo meus buracos, matando meus fantasmas, respirando internamente, repetindo os movimentos sempre novos com fluidez e delicadeza nas aulas desse mestre da dança. Aprendi com ele a aceitar as frustrações das minhas limitações e por isso mesmo conseguir ir além, entendi a grande importância da respiração em tudo que fazemos, o sentido de estar 100% no momento presente, o sentimento de prazer e da beleza do movimento e do olhar….Assim mudei meu corpo, minha postura diante da vida, a maneira de enfrentar o mundo e principalmente aprendi a me amar. Essa história faz parte da
minha vida…Me sinto privilegiada por ter encontrado o Jean Marrie e ele sabe o quanto o amo e sou grata de todo coração.
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Oi Aline. O seu comentário retrata exatamente o que a gente sente por estar lá e fazer parte desse grupo que o Jean-Marie conduz com maestria. Agradeço suas palavras de incentivo. Seu depoimento mostra tambëm a pessoa sensível e aberta que você é. Os próximos posts trarão também entrevistas com outras figuras notáveis e interessantes. Beijos.
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Legal. Estou adorando isso tudo. Vou ficar acompanhando esse blog sensacional. O Jean é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Isso que você está fazendo é um presente para mim e para todos que se transformam a cada dia com a dança. E você um grande escritor. Consegue brincar com as palavras e emocionar.
Parabéns novamente. Beijo grande.
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Que saudade deste professor lindo, amoroso, cheio de amor e dedicacao para cuidar mentalmente de todos nos!!!Jean, vc é unico!!!!!
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Amei tudo . Parabéns !!!
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Obrigado Giovanna!
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Seu texto também tem respiração própria, Roberto. Não deve ser fácil descrever uma atividade feita pra ser sentida, experienciada… Reafirmou meu desejo de conhecer o espaço, jogar o “excesso de bagagem” ao chão e dar início a esse percurso do – e ao – próprio corpo. Já já nos veremos na Lopes Quintas.
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