A Procissão do Senhor do Bonfim da Bahia e o olhar fotográfico de Andrea Fiamenghi!
Ah esses baianos!… Não são de Marte nem de Morte. São de Vida e Festa. Muita festa. Vai ser festeiro assim longe… Também dá para entender. Com a herança africana que receberam poderia ser diferente? Parece que festejam desde o dia que estreiam (se não sabia, fique sabendo: baiano não nasce, estreia…) até o dia que morrem! E morrem? Às vezes fico com a impressão que não. Que dançam desde sempre e eternamente…
Tem suas dúvidas? Então vejam só o que pode acontecer em Salvador numa segunda quinta-feira do mês de janeiro de todos os anos! Quero dizer, desde que a Bahia é Bahia! Estou falando da procissão e lavagem do Senhor do Bonfim que se realiza desde 1773. Começa na frente da Igreja da Conceição da Praia e percorre cerca de oito quilômetros da Cidade Baixa até chegar à colina onde foi erguida uma das igrejas mais famosas de Salvador.
Pela quantidade de promessas e pedidos que recebe, o Santo realmente é forte e não tem descanso. Do alto da colina contempla toda a cidade com suas centenárias igrejas, candomblés, fiéis, yaôs e orixás. Como não são poucos, o trabalho do santo deve ser bem grande! Vigiar tudo isso, só pra ele mesmo. Senhor do Bonfim para os católicos ou Oxalá no sincretismo religioso.
Pois nesse dia, as pessoas vão chegando bem cedinho e se reunindo em torno da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, na Cidade Baixa. Todos vestidos de branco. Oriundos de muitas partes da cidade, vêm sozinhos, com seus companheiros(as), familiares, amigos, conhecidos, ou em grupos. Dezenas, centenas por que não dizer milhares deles. Não tô brincando não!
Com a alegria estampada nos rostos, estas pessoas não vêm em silêncio. O som percussivo dos atabaques, tambores, timbales, agogôs, pandeiros e tantos instrumentos ressoam pelas ladeiras e ruas da velha São Salvador. Vão gradativamente tomando conta daquele espaço festivo criando o clima de festa popular! Inebriante e contagiante! Se escuta de tudo. Todos os ritmos são bem-vindos e tem o direito sagrado de se manifestarem…
E se manifestam, produzindo uma verdadeira colcha de retalhos musicais, quase uma salada sonora de frutas tropicalistas…
No átrio da Igreja da Conceição tem início um encontro ecumênico reunindo todo o sincretismo religioso com manifestações dos seus líderes. Sempre pregando pela união, solidariedade e paz. Pela vida.
Às nove horas de relógio (é assim que o baiano fala, nos deixando uma leve desconfiança que eles mesmos descobriram outro modo de marcar hora que não seja o velho e bendito relógio, ora pois), o cortejo – com as baianas à frente – inicia a caminhada festiva de cerca de 9 quilômetros até a colina onde se ergue a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Na caminhada tem de tudo: do sagrado ao profano.
A sensação é de que a Bahia inteira tá na rua.
Devo dizer que políticos de todos os naipes e partidos se apresentam sem falta. Geralmente acompanhados com seus cordões de puxa-sacos, recebem aplausos e/ou vaias, dependendo de sua cotação no mercado naquela data. Ninguém passa incólume ou despercebido. Todos levam a sua cota, seja lá do que for…
E não é só de branco que se veste no Bonfim. O povão com sua fé se veste de tudo e qualquer coisa. “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiar…” já avisava o ilustre baiano tropicalista Gil. Vem a pé, de bicicleta, de carro… Antigamente vinham de jegue, mulas, cavalos e em carroças ricamente ornamentadas. Já houve época que tinha até trio elétrico! Imagine isso numa procissão religiosa!
“Dai-nos a Graça Divina, da Justiça e da Concórdia!” diz o hino do Senhor do Bonfim… A procissão é uma verdadeira geléia geral. Coisa de baiano mesmo!
Durante a longa e vibrante caminhada, o samba de roda e todos os ritmos comem solto. Grupos afros, afoxés, charangas de todos os tipos, tamanho e composições arrastam literalmente suas pequenas multidões até a famosa Colina Sagrada que abriga a Igreja do Bonfim. Claro que tudo isso regado a muita cerveja, bebida principal das chamadas Festas de Largo.
Quando o cortejo finalmente alcança o Bonfim, são feitas as preces, as “baianas” fazem a lavagem das escadarias da Igreja num ato cheio de africanos significados. Todos então partem para receberem o famoso “banho de cheiro” dos potes das baianas.
“Sapeca aí uma água santa na minha cabeça, ô Baiana! pra afugentar o mau-olhado.”
Muitos amarram nas grades que circundam a frente da igreja as indefectíveis fitinhas do Senhor do Bonfim, fazendo os pedidos para si, parentes e amigos. A parte sagrada se encerra com a bênção solene do padre da paróquia.
É a partir daí que o couro come, com os sambas de roda e todos os outros ritmos baianos tocados nas conhecidas “barracas”. São centenas delas, servindo acarajés, abarás, “passarinha” (baço de boi assado!), caruru, vatapá, sarapatel, feijoada e outras coisas não tão leves assim… É a maneira baiana de celebrar a vida e agradecer a Deus – perdão! Quis dizer ao Senhor do Bonfim. A festa vai noite adentro. Quem não veio pra procissão pode vir depois…
Andrea, o olhar do olhar
Se você chegou até aqui, viu a procissão pelos olhos e lentes de Andrea Fiamenghi. Nascida em São Paulo – como dizem por aqui, “a maior cidade do nordeste” – , criada na Bahia desde os quatro anos, acompanha a procissão do Bomfim desde 2002 quando se iniciou na fotografia.
Teve como mestres Mário Cravo Neto, Walter Firmo, Marcelo Reis, Manuel Gomes Teixeira e na primeira vez que fotografou a procissão se empolgou tanto que acabaram os filmes (é, naquele tempo ainda tinha filme!) antes da festa acabar. Sobre ela, diz Andrea:
“Vejo na procissão gente com muita fé, muito emocionada, algumas pessoas fazendo um verdadeiro esforço físico para caminhar tanto e chegar. E elas conseguem. Isso é algo que aparece com clareza durante todo o percurso. Uma manifestação popular imperdível.
Cada ano tento fazer uma abordagem única, para me concentrar naquilo… Este ano por exemplo escolhi as diferenças das vestimentas, que necessariamente, não tem nada a ver com a festa.
Também Andrea trabalhou na Fundação Pierre Verger! Como se sabe Pierre é o mais baiano dos franceses. E claro um dos seus gurus e inspiradores. Dele se diz que conseguia pegar as pessoas de uma forma muito poética e ele nunca se deixava pegar pelo personagem.
Recorda Andrea sobre Verger: “Ele chega, cria uma intimidade com o personagem e consegue capturar quase que a alma das pessoas. Eu não o conheci mas era como se conhecesse pela influência que tem em meu trabalho.”
“Pela fotografia você conhece qual o tipo de fotógrafo. Ela revela. Deixa as impressões digitais e, como dizia Mario Cravo Júnior – hoje com 93 anos – toda obra representa um pouco de você.”
Sobre Mário Cravo Neto – artista baiano falecido – Andrea diz que ele fez muitos trabalhos nessas festas de Largo da Bahia. “Você quer fotografar? Vá ler filosofia, geografia, história e depois apareça aqui. Bote sua alma naquilo que você está fazendo. Escolha um tema simples e vá fundo nele”. Dizia Neto para a jovem fotógrafa.
“O Bonfim é o único dia que a gente não pode contar com nossa mãe para nada – diziam minhas filhas. Eu simplesmente não posso deixar de ir e cada ano é diferente. A festa tem mudado muito mas continua a procissão do Bonfim.”
Bem, depois de uma procissão dessas que só acontece na Bahia e ainda tendo recebido a distinção de sermos conduzidos por ela – através do seu olhar – só nos resta mirar o alto e agradecer ao Senhor do Bomfim e a Oxalá por tanta Beleza e Fé. Ainda mais sendo hoje o Dia Internacional da Mulher. Este post é também uma homenagem às Mulheres.
Andrea querida, continue fotografando o Bomfim. Obrigado. Axé Baba. Fui!
Se quiserem conhecer mais sobre Andrea Fiamenghi e seu trabalho:
http://www.andreafiamenghi.com.br
http://www.facebook.com/andreafiamenghifotografia
Sensível texto, que costura com maestria a história de um lugar místico e mágico, o amor de um homem pela sua terra de origem, e o encantamento de uma fotógrafa pelo registro de experiências reais do povo Baiano. Muita beleza em cada linha! Axé!
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Roberto ,
Seu texto faz até sentirmos os sons dos instrumentos , ecoando o som da festa .
Maravilha ter esse privilégio de ilustrar seu textos com minhas imagens .
Tenho certeza que colocou toda sua alma .
Obrigada pela sensação de estar contribuindo pela história dessa linda festa. Ser baiano é uma sorte.
Abraço
Andrea Fiamenghi
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