Atenção: Ai Weiwei ligou o “Foda-se”!
Atrevido, ousado, destemido, engajado, abusado, polêmico, retado, artista visual, escultor, pintor, designer arquitetônico, dissidente, cabra macho-da peste, chinês!
Seu gesto de desafio exibido na foto acima é marca registrada em todo o mundo. Onde chega e se depara com estrutura de poder, Ai Wewei levanta o dedo em protesto, de forma clara, ostensiva, ofensiva e desafiadora… Atitude corajosa, mesmo para um artista, num país como a China.
Nenhum lugar escapou dele até aqui. Nem a sagrada Praça da Paz Celestial (esses chineses gostam mesmo de metáforas não é?) em Pequim, onde num mausoléu repousa (será que “repousa” mesmo depois dos milhões de compatriotas que seu regime perseguiu e matou?!) o corpo de Mao Tsé-tung – “o grande timoneiro da China”.
Pois é, mesmo na presença do Mao embalsamado (juro para vocês que sou eternamente perseguido por esses infames trocadilhos. Deve ser carma!) – et pour cause – Ai Weiwei ligou o agora célebre no mundo inteiro: “Foda-se!“.
Esse chinês filho do poeta Ai Qing que caiu em desgraça também durante o maoísmo, decidiu usar sua arte para denunciar desrespeitos aos direitos humanos, injustiças, mal-feitos ou escândalos que governos, partidos, grupos políticos, econômicos, organizações, instituições e mesmo empresas praticam pelo mundo direta ou indiretamente.
Enfrenta o poder e o dinheiro – quando não ambos – ao longo de sua trajetória engajada, pagando bom preço pelo atrevimento. Com sua arte revolucionária vai abrindo caminho para as causas que defende, por onde quer que passe servindo de exemplo para outros – chineses ou não – que precisam de um empurrão para despertar suas consciências e agir.
Novidade? Está passando pelo Brasil de agora… Coincidência? Não é a toa. Chega em boa hora!
Huãnying! (Bem-vindo em mandarim). Escutei isso em 2010 quando aterrissei em Pequim e depois Shanghai. Não tem Huãnying para Weiwei na China!

Não é fake: eu em Paz Celestial
Filho de peixe, Weiwei é!
Quando nasceu, seu pai Ai Qing – considerado hoje um dos maiores poetas modernistas chineses – estava atrás das grades, graças à revolução cultural de Mao Tsé-tung que virou o país de cabeça para baixo. Ai Qing – ironia do destino – já tinha sido preso e torturado anteriormente pelo outro regime: o Kuomintang de Chiang Kai-shek, – generalíssimo conservador – que depois seria derrotado por Mao durante a guerra civil chinesa, fugiria para Taiwan e criaria a China Nacionalista, até pouco tempo atrás reconhecida pelas potências internacionais como a “verdadeira China”. Pródiga em ironias, a História!…
Além de expor seus trabalhos no Brasil numa escala nunca antes realizada, Weiwei na verdade está resgatando um laço importante com o país que seu pai estabeleceu ao receber na China os escritores Jorge Amado e sua esposa Zélia Gattai junto com o grande poeta chileno Pablo Neruda e a esposa Matilde Urrutia.
Essa visita à China aconteceu nos anos 50 e Ai Qing era uma espécie de embaixador cultural para os visitantes estrangeiros. Claro, antes de cair em desgraça com o regime de Mao. Foi humilhado em praça pública, escolas e várias vezes obrigado “a reconhecer e se retratar pelos crimes cometidos”. Teve ainda seus livros de poesia proibidos na China por muito tempo. Em 1980 foi condecorado pelo presidente francês François Miterrand, com o título de Comandante da Ordem das Artes e das Letras.
Com esse DNA, Ai Weiwei também amargou os rigores da ditadura do proletariado da República Popular da China quando no ano de 2011 e sob o pretexto de “crimes de evasão fiscal” foi sequestrado ao desembarcar no aeroporto de Pequim e mantido em cárcere privado pela polícia política do governo por mais de três meses. O clamor da mídia internacional ajudou a libertá-lo.
A verdadeira razão de sua prisão entretanto foi que ele decidiu investigar, por conta própria, as consequências para os estudantes, de um terremoto ocorrido na província de Sichuan, e acabou revelando o que ficou conhecido como o escândalo das “tofudreg schools“, ou seja escolas que foram construídas com materiais conhecidamente inadequados, muita corrupção e resultou na morte de milhares de crianças. Essa a verdadeira razão de sua prisão! Teve seu ateliê de 1 milhão de euros, completamente destruído pela polícia política chinesa.
Ele não se acovardou nem parou aí. Fez e faz uma incessante campanha nas redes sociais contra a falta de liberdade de expressão e o constante desrespeito aos direitos humanos por parte das autoridades chinesas. Ou seja, o caboclo chinês Weiwei parece não se amedrontar apesar das ameaças e do que já sofreu nas mãos do aparato repressor compatriota. Insistente, continua bradando aos quatro cantos do mundo:
“O Estado como ideologia, em que princípios como liberdade de expressão e direitos humanos são ignorados, é algo vergonhoso!”
Diz ainda ao se referir ao capitalismo de estado praticado pelo governo chinês em busca de progresso a qualquer custo:
“Impossível que a China venha a dominar o mundo desse jeito!”
Artistas costumam ser quase sempre os primeiros alvos dos regimes extremistas, sejam de direita ou de esquerda. Tendo crescido – sofrendo na pele e na família – todo tipo de injustiças e punições, entende-se muito bem a origem e a força de Ai Weiwei ao denunciar o poder.
Um dos seus trabalhos mais conhecidos no mundo foi participar da equipe de arquitetos suíços que concebeu o “Ninho de Pássaro“, Estádio Nacional de Pequim, com capacidade para 80 mil pessoas, construído para abrigar os Jogos Olímpicos de Verão de 2008. Foi palco das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos transmitidos pela televisão para todo o planeta.
Visitei o Ninho de Pássaro em 2010 quando estive em Pequim. Simplesmente monumental! Fiquei mesmo embasbacado! Duplamente porque também sou engenheiro civil. Esse projeto é uma obra de arte que impressiona pela originalidade, grandiosidade, imponência e beleza plástica. Mais uma ironia do destino: estava admirando o Weiwei sem saber…
O Partido Comunista e o governo chinês tentaram por diversas maneiras calar sua boca! Não conseguiram. Pelo contrário. Ela está cada vez mais escancarada…
Em São Paulo, Weiwei realiza este mês a maior exposição de sua carreira. São 70 obras de arte pesando 500 toneladas espalhadas em oito mil metros quadrados no Ibirapuera, sob a curadoria de seu amigo Marcello Dantas. Weiwei esteve no Brasil cinco vezes no último ano. Para essa última viagem trouxe, à tiracolo, seu filho Ai Lao, de 8 anos.
A exposição “Ai Weiwei Raiz” denuncia a indiferença da sociedade às tragédias sociais. Veja a seguir algumas de suas obras expostas em São Paulo e em outras partes do mundo:
Weiwei visitou outros estados brasileiros e passou um bom tempo em Trancoso na Bahia, convivendo com a região e as pessoas, preparando parte de sua exposição no Brasil. Selecionou árvores mortas para a exposição. Chegou a medir e reproduzir um pé de pequi de grandes dimensões com sua equipe de artistas chineses. Usou silicone e outros materiais. Ficou realmente impressionado com a árvore de mais de mil anos de idade e de algumas centenas de toneladas de peso.
Pessoa de hábitos simples, gosta de se misturar com o povo nos países que visita. Disse que o Brasil se distingue de outros países por sua natureza exuberante. O artista já havia participado da Bienal de 2010 no Brasil com uma enorme obra com as cabeças de doze animais representando o zodíaco chinês.
Produziu o documentário “Never Sorry” sobre a tragédia dos estudantes chineses que morreram no terremoto de Sichuan. Veja você mesmo:
Produziu e dirigiu, entre outros, o filme “Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir“. Passou um ano acompanhando crises de refugiados em 23 países incluindo França, Grécia, Alemanha, Iraque, Afeganistão, México, Turquia, Bangladesh e Quênia.
Retrata e revela com grande intensidade o sofrimento e as causas que levam milhões de pessoas a abandonarem seus países de origem como a guerra, a pobreza, a miséria, a perseguição política, refletindo sobre as dificuldades e motivações encontradas por essas pessoas em busca de uma vida melhor. Veja o trailer abaixo:
Participou também de um animado bate-papo no programa “Conversa com Bial” na Tv Globo. Confira abaixo:
https://globoplay.globo.com/v/7098786/
Se desejar conhecer suas obras espalhadas por museus do mundo inteiro, visite seu site oficial:
Finalizando, esse post é um tributo à arte e coragem de Ai Weiwei. Estou com ele e não abro. Vou visitar a exposição em São Paulo no Ibirapuera e se puder, assino embaixo do “Foda-se!” E você?
Beto Benjamin
Muito bom, Roberto! Você está cada vez melhor!
Um artista realmente admirável esse chinês, exatamente por tudo o que vc escreveu.
E o pai dele é a cara do Zé Celso Martinez, pensei até que fosse o próprio.
Grande abraço
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E era! Graças à sua argúcia, sagacidade e cuidado foi corrigido. Era o próprio tomado por engano… O NuncaseSabe agradece!
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Muito boa matéria… impressionante como o exercício nos aprimora… Nota-se sua evolução numa velocidade espetacular… Parabéns.
É gratificante saber que somos contemporâneos de uma figura como está. Fico aqui imaginando a quantidade e a diversidade de assuntos que passam pela mente dele… certamente de ser um mundo alucinante para mentes bitoladas pelo cotidiano como as de alguns de nós…
Fantástico…
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Obrigada por me apresentar a Ai Wewei. Fiquei impressionada e interessada em ver de perto sua arte. Comentei com Robert, que me disse que ele fez uma exposição em Alcatraz aqui em San Francisco tempos atrás. Mostrei seu site pra Robert e traduzi (dentro do possível) alguns posts. Ele manda lhe parabenizar pela excelente idéia. Você escreve muito bem porque coloca emoção junto com a razão. Mais do que sua amiga, virei sua fã de carteirinha. Parabéns!!!
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Querida Shirley. Não vale. Vc é minha amiga e generosa demais da conta! Agora o Weiwei é foda mesmo! Obrigado
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Que maravilha! Adorei saber da existencia deste artista fantastico, otima materia, ciompleta e profunda!
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Bela narrativa! Os fatos aqui trazidos complementam muito bem tudo que se tem dito por aqui desse renomado artista.
Parabéns
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