Pedro Gordilho e o caminho de Santiago!

1. Como conheci o Pedro

Tinha nome de apóstolo, de santo, braço direito do Chefe, pedra ou rochedo (Petrus em latim, vindo do grego Pétros ou do aramaico Cephas), vá lá. Ainda não existia Google mas, imagino que dona Maria Sanches e “Seu” José Geraldo – seus pais – devem ter feito essa pesquisa, antes de decidir por esse nome: Pedro mesmo, em bom português! A bem da verdade e de acordo com a Bíblia, seu nome deveria ter sido Simão, pois era esse o nome do caboclo que Jesus Cristo batizou de Pedro… Complicada essa história de nome, né?

Pedro, não o apóstolo – o Gordilho – se apresentou para uma entrevista, um dia, assim do nada, no canteiro de obras de uma construtora na cidade do Salvador, Bahia. Disse que era candidato a estagiário (ou estacionário, nome sacana e jocoso que todos que ali trabalhavam, designavam os que ainda eram estudantes de Engenharia e, buscavam ganhar um pouco de experiência prática nas empresas). O candidato era o moço da foto acima…

Ele se recorda – mais que eu – das bobagens e lorotas que escutou, de mim claro, durante a curiosa “entrevista”, caminhando pelo canteiro de São Joaquim. Afinal estávamos na Bahia, no princípio dos anos oitenta do século passado, evidentemente.

Como bons baianos (mesmo os  que vieram de fora trabalhar na empresa) respeitávamos todos os santos, sem exceção. Lá ninguém é maluco de brincar com eles.

Ainda mais ocupando um pedaço de terra à margem daquela calma e linda Baía de Todos-os-Santos, encantos e axés… Foi assim que transcorreu a entrevista.

Eu era o Gerente de Contrato, responsável pela construção de plataformas para produção de Petróleo, do grupo Odebrecht, tendo como cliente a Petrobras. Como terminou a história entre a Odebrecht e a Petrobras todos sabem e, não vem ao caso. Lugar de lavar roupa suja não é aqui.

Ao final da “entrevista-andante” (Carlinhos Brown só tempos depois inventaria o “camarote-andante” no carnaval), Pedro Gordilho estava aprovado e contratado como estacionário! A conferir.

Ingressou na empresa naquela “honorífica” função e, foi logo mostrando quem era. O famoso “arriar das malas”, que a vida vai nos ensinando a conhecer sobre as pessoas! Agitado, irrequieto, inteligente, criativo, gozador, já foi “avisando” que não ia ficar muito tempo.

Pedro queria aprender alguma coisa da atividade de construção e montagem de plataformas mas, o que desejava mesmo era “ser patrão de si próprio”. Metido mesmo! Se achava! Claro que tinha suas razões. Tanto atrevimento num jovem só não era algo comum. Tomei nota e o mantive sempre à vista, acompanhando de perto seus passos e seu desenvolvimento no canteiro de obras.

Não deu outra. Era um inventor nato. Foi logo bolando um “andaime suspenso” (esse o Brown desconhece) para colocar no topo da plataforma em construção e facilitar a atividade de soldagem. A “sacada” era que o andaime que ele criou podia ser montado ao nível do chão, preso nos tubos que constituíam as “pernas” da plataforma, ao serem giradas para a posição vertical, já estavam prontos para serem utilizados na soldagem seguinte. Economizava tempo e dinheiro para o projeto. Entenderam? Também não precisa entender, pois vocês não vão construir plataformas para a Petrobras.

Levamos a sério a invenção e a empresa pediu ao INPI a patente do andaime criado pelo Pedro Gordilho. Afinal eram dois atrevidos: ele e nós! Nisso combinávamos bem. Patente não devia ser coisa apenas para estrangeiros e, achávamos que merecíamos respeito! E lá fomos nós lutar contra a burocracia brasileira…

O jovem Pedro certamente ganhou o respeito de todos e não foi mais tratado como “estacionário”! Naquela plêiade de engenheiros e técnicos, vindos de várias regiões do Brasil e, na atividade que desempenhávamos, essa “reconhecimento” valia muito. Pedro soube valorizar.

Graduou-se em engenharia mecânica pela Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia e um dia “pediu as contas”. Foi embora. Disse que tinha chegado a hora. Ia enfrentar o desconhecido. Virou gente grande. Montou sua própria empresa: a Rótula Metalúrgica (https://www.rotulametalurgica.com.br/). Foi correr atrás de seu sonho:

tornar-se patrão de si mesmo.

Só muito mais tarde, descobriria que não era bem assim: que sem querer e sem carteira assinada, era “empregado” do governo que lhe cobrava impostos, aconteça o que acontecer! Mas, isso aí é outra história. Coisa para outro post.

Sabedor que Pedro Gordilho resolveu fazer o caminho de Santiago, fui logo avisando que, na volta, teria que dar uma entrevista para o NuncaseSabe. Aceitou de bate-pronto.

Aqui está a conversa que tive com ele, regado a bons quitutes baianos que Ana, sua esposa nos ofereceu, acompanhados de cerveja bem gelada num início de noite, no aconchegante apartamento deles no Campo Grande, em Salvador com uma vista espetacular da Baía de Todos-os-Santos e da ilha de Itaparica.

2. O caminho de Santiago

Beto Benjamin: De onde vem essa sua devoção por São Tiago? Com tantos santos e orixás aqui na Bahia, vai escolher logo um espanhol? Que negócio é esse?

Pedro Gordilho: Calma aí Benjamin. Quem disse que eu tenho devoção por São Tiago? Tenho não… Sou devoto de mim mesmo… Apesar do meu nome, não sou devoto de santo nenhum… Essa experiência – percorrer o caminho de Santiago – que resolvi viver na minha vida, foi um parêntese; um tempo que me dei de presente, pois nunca tinha feito algo parecido. Seria a primeira vez.

Beto Benjamin: Há quanto tempo você é empresário?

Pedro Gordilho: Minha vida toda foi pura labuta. Minha empresa, a Rótula Metalúrgica tem trina anos. Eu, quarenta anos exercendo a engenharia. Resolvi me presentear e soltar um pouco as amarras que me prendiam… Aquelas que a gente pensa que existem. Na verdade elas não são reais mas, as criamos e nos prendemos como se fossem. Inventamos um nó na vida. Tudo saído daqui, de nossa cabeça. Cada dia que passa, descubro que as coisas não são bem assim.

Beto Benjamin: Por que o Caminho de Santiago e não outra coisa?

Pedro Gordilho: Há cerca de dez anos, conheci Luiz Seixas, pai do namorado da minha filha, que viria a se tornar meu melhor amigo. Atualmente, não namoram mais. Entretanto, ficou uma amizade muito bonita. Luiz já fez esse caminho duas vezes. Eu não conseguia entender essa “viagem” dele. Fazer uma vez, eu até entendia mas, duas? Era demais para minha cabeça.

Na primeira vez que ele relatou a viagem, retruquei: “Você é maluco!” Ele respondeu: “Não dá para explicar, descrever o que a gente vive.” O motivo para fazer uma caminhada daquelas eu não conseguia entender. Era descrente de coisas que não são concretas, cartesianas. Meu mundo sempre foi assim, muito diferente desse outro.

De um certo tempo para cá, comecei a olhar a vida de outro modo. Não sei a razão mas, comecei a olhar para dentro de mim. A prestar atenção ao que se passava no meu interior. Era um busca de autoconhecimento. Psicanálise. Minha vida começou a mudar. Foi aí, que despertei e comecei a enxergar “as amarras que nos prendem”. Aquelas que criamos e nos limitam.

Depois dessa experiência vivida vejo com muito mais clareza. Não conseguia imaginar que um dia, andaria novecentos quilômetros. Foi a distância que andei, nessa primeira vez que fiz o caminho de Santiago.

O que me motivou, foi a empolgação que meu amigo Luiz transmitiu. Fomos juntos inclusive. Era sua terceira vez.

Eu estava numa etapa da vida que permitia fazer isso. Arrisquei um monte de coisas e fui. Ana me apoiou. Não é fácil deixar a família, sair do conforto de sua casa para um lugar distante, diferente. Dormir em albergues, em quartos com até cinquenta pessoas, muitas roncando, fazendo todo tipo de barulho. Dormir em beliches com zero conforto. No outro dia e todos os outros dias, acordar cedo e encarar um caminho que não se sabe direito qual é.

Você diz para si próprio: “Porra, quero andar hoje vinte quilômetros”. Mas tem trinta e dois para fazer. “Será que consigo?”

Muitas vezes, não acreditava que conseguiria. Entretanto, todos os dias acordava com mais disposição e alegria no coração para caminhar. Seguir em frente.

Uma coisa é sair caminhando pela orla de Salvador, sabendo onde vai chegar e voltar. Outra, é caminhar sem saber aonde vai chegar, nem o que vai encontrar pelo caminho. São duas situações bem distintas.

Fiz um levantamento – coisa de engenheiro – foram dois milhões de passos aproximadamente caminhados nesses dias. Fui presenteado, a cada quilômetro, com paisagens belíssimas, clima extraordinário e pessoas de todo o mundo, que  se encontram pelo caminho. Enfim, uma troca experiências que abre o coração.

As pessoas que você encontra pelo caminho, te contam coisas íntimas, segredos. Impressionante. Parece um irmão ou alguém que já conhecia há muito tempo. Não dá para descrever. Fiz mais de duas mil fotos imaginando mostrar às pessoas que amo, o que eu via e vivia mas, não dá para descrever fotos ou sentimentos… e o engraçado é que nem a imagem consegue transmitir. Você coloca a foto na televisão ou no computador e não é a mesma coisa…

Lá, ao vivo, você usa todos os sentidos: a visão, o tato, o olfato, o seu paladar tirando uma fruta do pé e comendo no meio do caminho; a audição conversando com as pessoas. O som das pedras que você está pisando. Não dá para descrever e é muito estranho uma pessoa como eu, tão descrente dessas coisas intangíveis falando como estou aqui. Jamais daria valor a coisas tão pequenas…Foi uma experiência belíssima. Se sente uma força que lhe motiva a caminhar todos os dias.

Cenas do caminho de Santiago de Compostela

Continua no próximo post.

7 comentários em “Pedro Gordilho e o caminho de Santiago!

    • Beto impressionante ,você conseguiu escrever exatamente o que senti, pelo menos até agora!
      Uma honra ter sido entrevistado por você, as duas vezes.

      Curtido por 1 pessoa

  1. Parabéns meu cunhado! Estou feliz com a sua experiência e muito grata por compartilhar conosco a sua história.
    Seu dinamismo e coragem é admirável.
    Você e Ana formam uma dupla de muito sucesso em tudo que se propõem a fazer! Felicidades 🌠

    Curtido por 1 pessoa

  2. Amei a história, e estou ansioso pela parte 2!
    Por esse e outros motivos tenho orgulho de ser seu filho!
    E um dia estarei fazendo isso também, quero muito fazer uma caminhada dessas no futuro

    Curtido por 1 pessoa

  3. Beto, gostei muito de suas colocações iniciais e do formato da entrevista. Aprendi um pouco mais de tecnologia construtiva e a narrativa do Pedro me faz refletir um pouco mais sobre uma possível caminhada

    Curtido por 1 pessoa

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